STATCOUNTER

pesquisando

Um espaço para que pesquisadores nas Ciências Humanas discutam suas idéias, seus projetos, suas análises.

Wednesday, August 28, 2019

CÂNCER DA PRÓSTATA: BOAS NOTÍCIAS!

Uma notícia importante para os pacientes com câncer na próstata, seus familiares e amigos. Notícia que poderá ser muito útil, também, para qualquer homem, considerando que, aproximadamente, um em seis terá que enfrentar esse câncer.

De que se trata?

De um novo medicamento, a darolutamida, que produziu resultados excelentes nos testes feitos até agora.

Esse medicamento foi aprovado pela U.S. Food and Drug Administration (FDA), que exerce funções semelhantes às da ANVISA.

Porém, atenção! Aprovado não significa que qualquer um pode usar. As aprovações da FDA seguem, cada vez mais, o caminho da medicina personalizada, levando em consideração outros fatores para conceder a aprovação. A FDA não deseja aprovar o uso desse medicamento em pacientes nos quais não produz bons resultados - ou produz resultados negativos.

Esse câncer, como vários outros, tem tipos e estágios e as empresas farmacêuticas precisam provar, através de cuidadosa pesquisa científica Fase III, que o medicamento funciona em uma população bem definida. No caso, pacientes que não respondem mais ao tratamento hormonal, mas ainda não apresentam metástase em testes padronizados.

Qual é a vantagem da darolutamida (o nome de marca, o que você encontrará nas farmácias, é Nubeqa®)?

É o tempo até a metástase. Pacientes com as características acima foram divididos em dois grupos: um com o tratamento hormonal mais darolutamida e outro com o tratamento hormonal sem darolutamida, mas com um placebo (para evitar o efeito placebo). A diferença entre os dois grupos é grande: a mediana do tempo transcorrido até a metástase no grupo com a darolutamida foi de 40,4 meses, mas no grupo sem a darolutamida foi bem menor, 18,4 meses. Vinte e dois meses, quase dois anos de diferença. Considerando que a faixa de idade na qual ocorre a maioria dos casos deste câncer é avançada, um ganho de quase dois anos até a metástase é uma excelente notícia. Por preciosismo estatístico, informo que a probabilidade de encontrar essas diferenças ao acaso é mínima: (p<0.0001).

E a morte? Ganhamos quanto tempo de vida?

Não dá para saber.

Não dá para saber por uma razão muito boa. Quando essa fase da pesquisa foi encerrada, mais da metade dos pacientes continuava vivinha da silva. Somente quando a metade ou mais bater o pacau é que poderemos calcular a mediana até a morte.

Não obstante, o tempo até a metástase se relaciona com o tempo até a morte. Quanto maior um, maior o outro. Não esqueçam que, excetuadas outras causas, não-cancerosas, esse câncer mata através das metástases.

Não tome qualquer decisão sem consultar um oncólogo ou urólogo. Converse com seus médicos.

Avise outros: quem enfrenta esse câncer, quem os ajuda e pessoas interessadas também.

As pesquisas médicas mais sérias têm nome. O nome dessa é Aramis.

Esse medicamento está sendo produzido pela Bayer.

Boa sorte e boas orações (elas ajudam, sim senhor).

GLÁUCIO SOARES

Encontre informações mais detalhadas em

www.NUBEQA.com

Tuesday, August 27, 2019

Morrer de burocracia II


Gabrielle era uma menina de cinco anos, alegre e vivaz, com olhinhos negros que pareciam falar. Teve uma doença raríssima e foi parar num hospital pediátrico que é uma referência no sul do país - vejam bem, no sul do país. A equipe médica, dedicada, bem que tentou, mas não atinou com o diagnóstico correto. Seus testes foram enviados a São Paulo, como era, e ainda é, o padrão de comportamento. Alguns estados não tinham laboratórios em condições de analisar as amostras de testes relativamente simples. A maioria dos estados não hospedava laboratórios em condições de processar e analisar amostras um pouco mais complexas. A falta de equipamentos no local fazia com que muitas amostras fossem enviadas para São Paulo. Esse envio adicionava tempo de espera até o tratamento começar. Preparação da amostra para viagem; conexão com a transportadora; transporte até o laboratório em São Paulo, Lá, o tempo de processamento não é instantâneo. Há tempo perdido também. Em cada etapa havia papel, assinaturas, carimbos. Essas demoras foram fatais. As informações urgentes eram enviadas por telefone e/ou fax.
“São Paulo”, me perdoem os paulistófilos mais exacerbados, tão pouco é a capital do mundo. A equipe não conseguiu chegar a um diagnóstico. Porém, houve um acaso, que poderia ter alterado o triste destino que afetaria a vida de Gabrielle. Um dos médicos de outro departamento, por casualidade, havia visto ou sabido de um caso com características semelhantes. O caso foi rapidamente estudado e resolvido. Após a receber a amostra, em 24 horas o diagnóstico chegou ao hospital pediátrico, mas era tarde. Devido à trombose e necrose das artérias distais, ela perdeu as duas pernas e um braço. Gabrielle gostava de dançar e continuou alegre e brincava de dançar com os seus tocos. A alegria de Gabrielle provocou lágrimas na equipe médica. Quando tive notícia do seu caso, Gabrielle esperava inocentemente as próteses que "chegarão em breve". Em muitos desses casos, a dureza da realidade vem depois, talvez na adolescência, talvez antes. Nós, humanos, somos uma espécie desumana. Crianças como Gabrielle sofrem discriminação e bullying.
Hoje, quase toda a informação médica está disponível pela internet. Porém, os médicos precisam saber idiomas, sobretudo Inglês, e ter acesso local, fácil, a bases de dados atualizadas que são de extrema utilidade. Há programas e aplicativos que fazem isso. Porém, um sistema computarizado de informações indexadas e cruzadas, nacional e internacional, à disposição do pessoal de todos os hospitais brasileiros salvaria muitas vidas e facilitaria, particularmente, o diagnóstico de pacientes com doenças com as que ninguém, médico, enfermeira ou laboratorista, teve experiência clínica.
Uma das médicas pediatras que entrevistei, chamou esse sistema de SOS diagnóstico. Gabrielle foi tratada em um hospital pediátrico de referência no sul do país por uma equipe dedicada que sofreu e sofre por não ter diagnosticado a doença 24 ou 48 horas antes. Poderia fazer a diferença. Porém, não tinham como fazê-lo. O mesmo hospital que, repito, é referência, não tinha um aparelho de Tomografia Computarizada (TC). Os pacientes tinham que sair para fazer o exame em outro lugar – independentemente do estado físico, alguns em estado grave, outros não, chovesse ou fizesse sol, frio ou calor. Além disso, havia e ainda há necessidade de autorizações, assinaturas e carimbos; a burocracia protela e os exames não são feitos com a rapidez necessária. Alguns morreram e outros morrerão por causa da lentidão no processamento das autorizações.
Lembrei as palavras de um ativista americano, aidético, que declarou que não queria morrer de “red tape”, de burocracia no processamento dos recursos para pesquisas. Morreu. As vítimas preferenciais da AIDS naquela época, principalmente gays e receptores de transfusão de sangue contaminado, morreram devido à falta de recursos para tratar essa doença, parcialmente atribuível ao preconceito de Ronald Reagan e sua equipe política conservadora. Não sabemos quantas vidas humanas teriam sido salvas se o combate sério à AIDS, através da pesquisa e da prevenção, não tivesse esperado quase uma década.
O que custa um aparelho de TC de corpo inteiro? De acordo com um documento do Departamento de Defesa dos Estados Unidos - CT-Related Policies of the Department of Defense and the Veterans Administration –custa perto de 500 mil dólares e bastavam 1.500 usos ao ano para justificar a sua aquisição. São somente quatro usos ao dia. Na cultura do dinheiro que, infelizmente, é a nossa também, o custo em vida e sofrimento não foi sequer estimado e não entrou na equação.
Em outros lugares do país, a situação é muito pior, catastrófica: não há leitos, falta tudo, até soro fisiológico. Ironicamente, o nosso Presidente Bolsonaro rejeita os 133 milhões de reais vindos da Noruega e outros 155 milhões vindos da Alemanha. Destinados a combater o desmatamento na Amazônia. Porém, poderiam aliviar outros orçamentos e liberar recursos para pagar muitos equipamentos médicos que ainda não existem em amplas áreas da região amazônica.
Nem só de burocracia se morre no Brasil: se morre de política também. Francine era uma menina inteligente, pobre, de olhos verdes que sofreu queimaduras por álcool em quase todo o corpo e morreu aos 14 anos. Estava tão desfigurada que vários achavam que a morte foi a melhor solução, ainda que triste. O álcool líquido, que é uma das causas principais de queimaduras em crianças (o gel reduz dramaticamente o número de acidentes), era proibido naquele estado, mas as produtoras pressionaram e os deputados estaduais não resistiram. Permitiram o uso. Não houve debate político porque não há lobby que defenda os interesses das crianças que serão mortas ou desfiguradas. Os médicos escreveram para os jornais protestando, mas os políticos não ouviram. Francine, e outras crianças, morreram queimadas - morre uma por dia no país.
Mas não só de burocracia e política se morre no Brasil. Tomando dados daquela época, os R$ 169 milhões super-faturados na obra do TRT paulista, desvio coordenado pelo juiz Nicolau dos Santos Neto, seriam suficientes para instalar CT scans em cento e trinta hospitais; naquela época, outra gangue roubou mais de 120 milhões do INSS, com os que dotaríamos mil postos de saúde carentes de materiais essenciais por um ano. Os dados de hoje são muito mais elevados.
Mas não só de burocracia, política e corrupção ostensiva morrem os brasileiros. O setor público gastou, naquele ano, 13 bilhões de reais com passagens aéreas, água, luz, telefone, consultorias, pagamentos a terceiros, boys, cafezinho etc. Muitos não viajam de classe turista, como nós: viajam de Classe Executiva. De lá para cá, só piorou.
Estado rico, povo pobre.
Uma redução modesta de 20% nesses gastos nos deixaria com 2.6 bilhões para investir. Não dá para estimar quantas vidas seriam salvas com esses recursos.
Quando passo por um cemitério, não consigo deixar de perguntar: quantos dos que estão aqui morreram de burocracia? E de corrupção? E quantos de vocês, que me estão lendo, ou seus parentes e amigos, serão vítimas do Estado Rico e suas mazelas?

Gláucio Ary Dillon Soares

Tuesday, June 04, 2019

As teias de relações sociais e a recuperação de dependentes químicos

Hoje, 02/06/219, no Fantástico, houve uma discussão da política do atual governo que amplia as razões que justificam o internamento compulsório de “drogados”. Foram feitas inúmeras afirmações de crítica ou de apoio a essa medida, mas não foram apresentados dados de pesquisas, seja os produzidos pela Fiocruz, seja outros, oriundos da grande quantidade de pesquisas realizadas sobre esse tema em vários países.
Quero acrescentar as conclusões de uma pesquisa qualitativa publicada este ano, sobre a influência da teia social do dependente sobre o êxito de diferentes tratamentos.
Trata-se de uma pesquisa muito pequena e de baixo custo, exploratória, que compara a teia social de dependentes com a dos não dependentes. Concentraram as ações em um grupo de dependentes que conseguiram manter a abstinência por, pelo menos, cinco anos.
Foram usadas entrevistas semi-estruturadas.
O olhar sociológico sugere que a riqueza e o caráter positivo das teias sociais ajudam a prevenir diferentes tipos de dependência e, caso uma dependência exista, ajudam a recuperação, a abstinência e a duração da abstinência.
Qual o tipo de relação que a maioria dos entrevistados considerou importante para conseguir a abstinência?
Foram duas: os que participaram do tratamento (médicos, terapeutas, assistentes sociais) e parentes, particularmente irmãos e/ou irmãs.
As influências da teia de relações sociais e terapêuticas não são necessariamente positivas. Há influências negativas, algumas poderosas, capazes de desfazer os avanços dos dependentes.
Essa pequena pesquisa sugere, sem provar, que o efeito benéfico dos esforços para obter a abstenção dos dependentes podem ser multiplicados pela inclusão no universo conceitual e perceptivo, tanto dos dependentes quanto dos que se propõem a ajudá-los, de pessoas relevantes que podem ajudar ou prejudicar a recuperação. Não é possível retirar as teias de relações pessoais, familiares, de amizade e terapêuticas dos dependentes, descontextualizando-os. Uma sugestão apoiada pelos dados dessa pesquisa mostra que os dependentes têm uma teia mais pobre de relações sociais do que os não dependentes. O desenho não permite saber o que veio antes: se a pobreza das relações sociais contribuiu para a dependência; porém, como a dependência provoca rejeição, não é possível excluir a hipótese de que ela empobreça a teia social dos dependentes, ou se as duas variáveis interagem continuamente. Nossa hipótese propõe que os dependentes com teias sociais mais amplas e mais positivas atingem e mantêm a abstinência com mais facilidade.
Mais uma vez, temos que colocar na equação os efeitos deletérios da solidão.
Creio que esse olhar sociológico pode ajudar a aumentar a eficiência dos programas que visam controlar a dependência.

GLÁUCIO SOARES

Saiba mais:
Pettersen H, Landheim A, Skeie I, Biong S, Brodahl M,
Oute J e Davidson L., How Social Relationships Influence Substance Use Disorder Recovery: A Collaborative Narrative Study. Subst Abuse. 2019 Mar 9;13:1178221819833379. doi: 10.1177/1178221819833379. eCollection 2019.

Tuesday, May 21, 2019

O dano causado por um modelo que soma zero

Estamos vendo o que significa um modelo que soma zero. Em várias administrações, em países diferentes, quando medidas que reduziram recursos, cargos etc. foram implementadas, as reações foram semelhantes às que estamos vendo. Os que estavam ameaçados de perder algo – recursos orçamentários, prestígio, status de ministério ou de secretaria especial etc. – protestaram e continuaram protestando. O modelo que soma zero surgiu quando foi tomada a decisão de reduzir o número de ministérios e enfrentar o rombo fiscal. Os protestos já surgiram em muitas áreas, como, por exemplo, a relacionada à cultura, ou no caso, também em andamento, da mudança da Secretaria de Direitos Humanos que possivelmente seria transferida para o Ministério da Justiça. Em um debate interno, que estou acompanhando, surgiu a pergunta necessária sobre o funcionamento de um órgão do governo. No debate, que é essencialmente político, estão sendo debatidos os ganhos e as perdas num discurso em que o órgão é tratado em forma abstrata. É um debate político sobre alocação de recursos, poder e prestígio. Nesse debate, que sempre surge quando há cortes de algum tipo, inclusive aqueles que tem a ver com símbolos de poder, há contraste entre a realidade, o órgão como ele é, e a versão publicitária, divulgada, pública, aperfeiçoada, idealizada, que não existe. A realidade desaparece. A versão idealizada é afirmada e reafirmada, soberana. Quando foi colocado o tema da funcionalidade, de onde o órgão funcionaria melhor, voltou ao palco o órgão como ele é. Em todos os casos, é patente o que está em jogo para os grupos de pressão: não é um projeto para o país, certamente não é um projeto social, é a política simples de defesa dos interesses próprios através da pressão política.

Às vezes a disparidade entre o projeto anunciado (e desejado) e o processo que realmente acontece, é surpreendente. O exemplo mais ameaçador é a escolha de André Moura para líder do governo na Câmara dos Deputados. Para mim, mostra, apenas, que quem domina a Câmara é o baixo clero e não o governo. Se assim for, talvez o homem mais influente naquele recinto continue a ser Eduardo Cunha. Um horror.

Qual o problema desses procedimentos, inclusive dos legítimos protestos numa situação de evidente falta de recursos para satisfazer a todos? O principal problema é que o somatório dos êxitos de grupos específicos não significa o maior benefício para a maioria dos excluídos. Significa, apenas, que os grupos mais poderosos, mais influentes e melhor organizados, por exemplo, os sindicalizados, juízes, promotores, deputados e senadores, os que trabalham para o estado, entre muitos outros, terão suas necessidades atendidas primeiro, antes de que a maioria dos que necessitam de atendimento básico, particularmente nas áreas da saúde, da educação e da segurança pública, seja atendida. Dada a magnitude do rombo fiscal, não há como ser otimista e os recursos necessários para os despossuídos virão por último. Último pode significar muito tempo.

Na política que responde, apenas, aos grupos de pressão organizados, os mais pobres e excluídos do poder, sem influência, serão os mais prejudicados, os últimos que serão atendidos.

É a política do cotidiano, do quem pode, pode, quem não pode sofre.


Gláucio Soares

Monday, May 20, 2019

Um despertar doloroso

Há despertares estranhos; há alguns que chegam a ser dolorosos. Um despertar que tive algumas vezes nos últimos anos provocou uma dor na alma.

O que era esse despertar?

Ele acontecia depois de um sonho bom, gostoso. Neles, eu voltava de tratamento nos Estados Unidos; antes, passara algum tempo examinando possíveis presentinhos, possíveis agrados, para trazer para minha mãe. Neles, sempre arrancava um sorriso discreto, silencioso, de satisfação. O agrado agradou... Em alguns desses sonhos, dois ou três, cheguei a levantar da cama ainda meio dormido para buscar o presente e levá-lo. Ansioso de carteirinha, não ia esperar por uma hora convencionalmente decente, nove ou dez da manhã, sei lá. Os hábitos forjados em minha mãe desde seus tempos de professora primária, que incluíam transportes múltiplos, como bonde, ônibus e o famoso pedillac, a obrigavam a levantar muito cedo. Saindo de Laranjeiras destino Quintino Bocaiúva. Minha mãe acordava cedo.

Esperar não era o meu forte. Ia buscar o presente, subir pela escada do segundo ao oitavo andar, levar logo o presente cuidadosamente escolhido e deliciar-me com aquele sorriso subliminar de satisfação materna.

Mas a realidade chegava logo, logo, dura, fria e triste. Minha mãe morrera há anos. Eram necessários alguns minutos para que eu caísse na real: minha mãe morrera e eu não a veria mais. Não traria mais presentes. Não obstante, eu ainda precisava da minha velhinha. Preciso até hoje.

Hoje, o velhinho sou eu. Oitenta e lá vai fumaça. Não obstante, recebi uma benção divina, ter mãe viva até, quase, os meus setenta anos.

Minha mãe viveu e morreu lúcida. Cultivava a lucidez através de leituras e de jogos de biriba. Ia, diariamente, do apê até o bar do tênis jogar biriba no Fluminense. Várias outras pessoas de diferentes idades, mas com predomínio de idosos, formavam mesas. Sol quente e chuva fina não eram impedimento para a minha mãe. A maior dificuldade eram as escadas, da entrada até o tênis, e a pior, que ia do tênis até a passagem que leva ao Bar do Tênis. Eu, hoje, tenho que dar uma ou duas paradas enquanto me puxo pelo corrimão. Preciso dos braços para ajudar as pernas. Ela, mais para o final da vida, precisava do apoio de uma acompanhante.

Quando as pernas de minha mãe cederam de vez, passei a ter outra função, a de parceiro no biriba. Jogávamos todos os dias.

O biriba contribuía para a minha saúde, porque eu trucidava seis andares de escadas diariamente. Em raros dias, subia duas vezes no mesmo dia.

Entrava no apê de Mamãe e lá estava ela, sentada, incrivelmente erecta para seus noventa anos e mais, a cabecinha branca imersa em seus pensamentos, esperando. Era o ponto alto do dia para ela. Conversávamos um pouco, mas, progressivamente, o diálogo virou monólogo devido à perda de audição, nos últimos anos praticamente total. Já não adiantavam os aparelhos no ouvido, o que me roubou o prazer de trazer mini-baterias aproveitando qualquer viagem.

Umas poucas vezes falhei e a acompanhante me informou que ela ficava horas à espera do filho-parceiro que não chegava. Vocês podem imaginar o estrago que esse conhecimento causou numa pessoa parcialmente movida a culpa.

“Dona Dillon”, como a chamavam seus alunos. Minha mãe. Ao sair do apê, lá em baixo, perto da ambulância, disse, de dedo em riste: “Vou enfrentar com coragem e dignidade.”

E enfrentou a morte com coragem e dignidade.

Por que estou escrevendo essa estória?

A ocasião foi propiciada pelo Dia das Mães e reflexões sobre ele.

Há, também, uma auto-atribuída missão de distribuir um conhecimento, sempre como hipóteses, aplicáveis ou não, numa área preterida pelos nossos pesquisadores, sobre-preocupados com explicações “infra-estruturais” em detrimento de uma gama mais ampla de insumos para a pesquisa e as teorias sociológicas.

Um dado importantíssimo tem sido negligenciado, o aumento da esperança de vida ao nascer, no Brasil, de menos de 34 anos em 1900, para 76, em 2019, teve consequências para a família. Cresceram as famílias multigeracionais; cresceu o número de pessoas da Terceira Idade com um ou ambos genitores vivos. Essas mudanças significam um desafio extra para pais e mães que devem educar seus próprios filhos e filhas e, ao mesmo tempo, cuidar de seus próprios pais e mães. Ressurgem, em novo formato, as famílias multigeracionais.

É preciso inserir a idade média ao casar na equação. A idade média das mulheres quando se casam pela primeira vez subiu de 23 anos para 27 entre 1974 e 2014, e a dos homens subiu de 27 anos para 30.

Pensem no que isso significa para uma geração que deve educar filhos adolescentes (e se preocupar muito com a nova violência que atinge uma ampla faixa etária que se estende da pré-adolescência até o início da maturidade) e, ao mesmo tempo, ter alguma ou muita responsabilidade para uma e até duas gerações anteriores, seus próprios pais e mães, avôs e avós. Idosos com problemas de subsistência, muito diferentes por classe social, e a necessidade de tratar, financiar e conviver com doenças cronicas.

As pessoas sobre as quais essas responsabilidades caem pesado também estão mudando. Aumentou o número de divórcios, aumentou o número de unidades residenciais com vinculações multi-familiares, particularmente filhos e filhas de pais diferentes vivendo com a mesma mãe, que se relacionam com avôs e avós diferentes. Portanto, a rede de relações familiares também mudou, e não apenas a idade de seus integrantes.

Mudou e continua mudando.

Infelizmente, não é área que atraia muitos pesquisadores no Brasil, a despeito da sua relevância para as finanças, para as relações afetivas e, sobretudo, para a felicidade de todos os brasileiros e brasileiras.

Quero voltar, reconhecendo que a pretensão é descabida, ao status de senex sapiens. E dar conselhos.

Independentemente da sua idade, curta seus pais e mães, avôs e avós: eles não vivem para sempre. Faça, sempre que puder, aquele carinho e aquele agrado.

Saiba que os velhinhos também amam seus próprios pais e mães e sentem muita falta deles. Os velhinhos, antes de serem velhinhos, foram filhos e filhas. E continuam sendo.

Muito amor.

GLÁUCIO SOARES

Um despertar doloroso

Há despertares estranhos; há alguns que chegam a ser dolorosos. Um despertar que tive algumas vezes nos últimos anos provocou uma dor na alma.
O que era esse despertar?
Ele acontecia depois de um sonho bom, gostoso. Neles, eu voltava de tratamento nos Estados Unidos; antes, passara algum tempo examinando possíveis presentinhos, possíveis agrados, para trazer para minha mãe. Neles, sempre arrancava um sorriso discreto, silencioso, de satisfação. O agrado agradou... Em alguns desses sonhos, dois ou três, cheguei a levantar da cama ainda meio dormido para buscar o presente e levá-lo. Ansioso de carteirinha, não ia esperar por uma hora convencionalmente decente, nove ou dez da manhã, sei lá. Os hábitos forjados em minha mãe desde seus tempos de professora primária, que incluíam transportes múltiplos, como bonde, ônibus e o famoso pedillac, a obrigavam a levantar muito cedo. Saindo de Laranjeiras destino Quintino Bocaiúva. Minha mãe acordava cedo.
Esperar não era o meu forte. Ia buscar o presente, subir pela escada do segundo ao oitavo andar, levar logo o presente cuidadosamente escolhido e deliciar-me com aquele sorriso subliminar de satisfação materna.
Mas a realidade chegava logo, logo, dura, fria e triste. Minha mãe morrera há anos. Eram necessários alguns minutos para que eu caísse na real: minha mãe morrera e eu não a veria mais. Não traria mais presentes. Não obstante, eu ainda precisava da minha velhinha. Preciso até hoje.
Hoje, o velhinho sou eu. Oitenta e lá vai fumaça. Não obstante, recebi uma benção divina, ter mãe viva até, quase, os meus setenta anos.
Minha mãe viveu e morreu lúcida. Cultivava a lucidez através de leituras e de jogos de biriba. Ia, diariamente, do apê até o bar do tênis jogar biriba no Fluminense. Várias outras pessoas de diferentes idades, mas com predomínio de idosos, formavam mesas. Sol quente e chuva fina não eram impedimento para a minha mãe. A maior dificuldade eram as escadas, da entrada até o tênis, e a pior, que ia do tênis até a passagem que leva ao Bar do Tênis. Eu, hoje, tenho que dar uma ou duas paradas enquanto me puxo pelo corrimão. Preciso dos braços para ajudar as pernas. Ela, mais para o final da vida, precisava do apoio de uma acompanhante.
Quando as pernas de minha mãe cederam de vez, passei a ter outra função, a de parceiro no biriba. Jogávamos todos os dias.
O biriba contribuía para a minha saúde, porque eu trucidava seis andares de escadas diariamente. Em raros dias, subia duas vezes no mesmo dia.
Entrava no apê de Mamãe e lá estava ela, sentada, incrivelmente erecta para seus noventa anos e mais, a cabecinha branca imersa em seus pensamentos, esperando. Era o ponto alto do dia para ela. Conversávamos um pouco, mas, progressivamente, o diálogo virou monólogo devido à perda de audição, nos últimos anos praticamente total. Já não adiantavam os aparelhos no ouvido, o que me roubou o prazer de trazer mini-baterias aproveitando qualquer viagem.
Umas poucas vezes falhei e a acompanhante me informou que ela ficava horas à espera do filho-parceiro que não chegava. Vocês podem imaginar o estrago que esse conhecimento causou numa pessoa parcialmente movida a culpa.

“Dona Dillon”, como a chamavam seus alunos. Minha mãe. Ao sair do apê, lá em baixo, perto da ambulância, disse, de dedo em riste: “Vou enfrentar com coragem e dignidade.”

E enfrentou a morte com coragem e dignidade.
Por que estou escrevendo essa estória?
A ocasião foi propiciada pelo Dia das Mães e reflexões sobre ele.
Há, também, uma auto-atribuída missão de distribuir um conhecimento, sempre como hipóteses, aplicáveis ou não, numa área preterida pelos nossos pesquisadores, sobre-preocupados com explicações “infra-estruturais” em detrimento de uma gama mais ampla de insumos para a pesquisa e as teorias sociológicas.
Um dado importantíssimo tem sido negligenciado, o aumento da esperança de vida ao nascer, no Brasil, de menos de 34 anos em 1900, para 76, em 2019, teve consequências para a família. Cresceram as famílias multigeracionais; cresceu o número de pessoas da Terceira Idade com um ou ambos genitores vivos. Essas mudanças significam um desafio extra para pais e mães que devem educar seus próprios filhos e filhas e, ao mesmo tempo, cuidar de seus próprios pais e mães. Ressurgem, em novo formato, as famílias multigeracionais.
É preciso inserir a idade média ao casar na equação. A idade média das mulheres quando se casam pela primeira vez subiu de 23 anos para 27 entre 1974 e 2014, e a dos homens subiu de 27 anos para 30.
Pensem no que isso significa para uma geração que deve educar filhos adolescentes (e se preocupar muito com a nova violência que atinge uma ampla faixa etária que se estende da pré-adolescência até o início da maturidade) e, ao mesmo tempo, ter alguma ou muita responsabilidade para uma e até duas gerações anteriores, seus próprios pais e mães, avôs e avós. Idosos com problemas de subsistência, muito diferentes por classe social, e a necessidade de tratar, financiar e conviver com doenças cronicas.
As pessoas sobre as quais essas responsabilidades caem pesado também estão mudando. Aumentou o número de divórcios, aumentou o número de unidades residenciais com vinculações multi-familiares, particularmente filhos e filhas de pais diferentes vivendo com a mesma mãe, que se relacionam com avôs e avós diferentes. Portanto, a rede de relações familiares também mudou, e não apenas a idade de seus integrantes.
Mudou e continua mudando.
Infelizmente, não é área que atraia muitos pesquisadores no Brasil, a despeito da sua relevância para as finanças, para as relações afetivas e, sobretudo, para a felicidade de todos os brasileiros e brasileiras.
Quero voltar, reconhecendo que a pretensão é descabida, ao status de senex sapiens. E dar conselhos.
Independentemente da sua idade, curta seus pais e mães, avôs e avós: eles não vivem para sempre. Faça, sempre que puder, aquele carinho e aquele agrado.
Saiba que os velhinhos também amam seus próprios pais e mães e sentem muita falta deles. Os velhinhos, antes de serem velhinhos, foram filhos e filhas. E continuam sendo.
Muito amor.

GLÁUCIO SOARES

O Estado, a vovó e os netinhos

Estive em Brasília, onde sou uma pessoa rica. Emocionalmente rica. Tenho dois filhos, dois netinhos e duas netinhas. Curtição pura. Voltei a ser vovô.

Como estou trabalhando sobre o Amor (com A maiúsculo), alimentei esse trabalho, que inclui pesquisar, calcular, pensar, meditar, escrever e outras atividades semelhantes com as emoções de ser e sentir ser vovô.

Desculpem a mudança de estilo mas, analiticamente, ser vovô ou vovó é uma variável. Varia por tipo, intensidade e outras divisões mais. Não é igual, não são as mesmas funções, em todo tempo e lugar.

Consideremos, nesse primeiro pensar, os casos intensivos. Os que são vovôs e vovós várias horas por dia, várias vezes por semana.

O que determina quanto tempo e de que maneira avôs e avós participarão da criação e da educação de netinhos e netinhas não depende só deles, nem apenas das famílias.

Uma pesquisa realizada por Di Gessa et al na Europa mostrou que há diferenças grandes entre os países. É uma pesquisa inteligente e criativa, mas difícil. É, no meu entender, particularmente criativa porque junta “campos” (à la Bourdieu) usualmente separados e distantes entre si. Como os estudos sobre a família, o desenvolvimento institucional e as políticas públicas.

A composição demográfica do país afeta a família;

Pincei o desenvolvimento institucional como uma perspectiva importante para estudar a família. Vários outros fatores, espremidos pelos autores sob o título de “contextuais-estruturais e culturais” têm forte impacto sobre as famílias, inclusive sobre a participação intensiva de avôs e avós na criação e educação de netos e netas.

A análise realizada pelos autores não é estatisticamente simples. Usaram modelos multi-nível.

O que é isso? Como fizeram isso?

Primeiro, usaram dados de um survey com questionário padronizado e amostras nacionais probabilísticas, chamado Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe. Esse survey permitiu conhecer as características individuais das crianças, dos seus pais e mães e dos seus avôs e avós. Permite saber quanto podemos atribuir a essas características individuais.

Os dados sobre a composição demográfica dos países permite ver até onde chega a sua influência; o mesmo vale para as variáveis relacionadas com a distribuição, inclusive a desigualdade de renda. Para mim, a moldura é política e depende de políticas públicas adequadas que, por sua vez, depende de termos um estado saudável que responde às necessidades da população.

Há um resultado contra-intuitivo: é nos países onde a participação tanto das mães quanto das avós na força de trabalho é menor que há mais avós (e, secundariamente, avôs) participando intensamente da criação e da educação das crianças. Na minha leitura, a presença conjunta das mães e das avós na mesma residência é reforçada pela interação entre elas. Essa interação das avós com duas gerações de sua descendência (filha, e netos e netas) tem o benefício de reduzir a solidão, um dos grandes problemas da Terceira Idade. Em verdade, a solidão é péssima companheira em qualquer idade, mas é mais frequente entre idosos e idosas.

Controlando isso tudo, os autores encontraram um peso grande, como esperado, da disponibilidade e da qualidade de serviços públicos nessa área. Encontraram diferenças Norte/Sul. Os países do sul da Europa oferecem menos serviços para crianças. Neles, menos avôs e avós levam netinhos e netinhas à creche e ao pré-primário.

Como assim? Menos?

É, porque um número maior de avôs e avós, sobretudo as avós, passa a ser, eles e elas, a própria creche.

E no Brasil? Qual o panorama?

Os divórcios crescem no Brasil: em 10 anos, de 2004 a 2014, a taxa de divórcios cresceu mais de 160%, pulando de 130 mil para 341 mil. Há muitas rupturas de famílias que ocorrem à margem das instituições legais. Não temos dados confiáveis sobre o número de separações, mas tudo indica que é muito, muito maior. Há filhos? Com quem ficam?

Em 43% dos divórcios, há filhos menores. E, tomando os divórcios como base, a mulher recebe a guarda de nove em cada dez filhos.

A crescente participação das mulheres no mercado de trabalho, em interação com o aumento no número de divórcios e separações significou que o número de mulheres que chefiam as famílias aumentou rapidamente. Acarretou, também, um crescimento na percentagem do total de famílias, definidas residencialmente, dirigidas por mulheres. Eram 17% em 1980; 20% em 1990; 27% em 2000 e 35% em 2010.

O crescente número de separações e divórcios, em conjunção com o aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho, gerou uma pergunta: quem cuida das crianças? Há soluções institucionais, como creches e escolas. Não é fácil, nem simples. É muito mais do que quatro paredes e colocar um ou mais adultos para tomar conta de um monte de crianças. O capital físico que é colocado entre quatro paredes conta. Tem que ser estimulante e não pode ser perigoso, sujeito a frequentes acidentes. E o capital humano, assim como o capital social, dentro dessas quatro paredes é muito importante. As pessoas que colocarmos dentro das quatro paredes têm que ser muito bem treinadas. O treinamento leva tempo e as pessoas devem ser educadas e treinadas para enfrentar situações difíceis, inclusive emergências. Nessa atividade, o preço de improvisar pode ser muito alto.

Quando falamos em milhões de crianças, o custo é alto, crescente devido à incorporação de áreas previamente excluídas, e permanente porque o fluxo de novas crianças é contínuo.

No Brasil, se tivéssemos recursos e vontade política, precisaríamos de mais de uma década para recuperar o terreno perdido. Com o estado falido, não há luz no fim do túnel.

O que significa que, no Brasil, avôs e avós continuarão a ser demandados, para preencher o vazio deixado pelo estado caro e falido.

GLÁUCIO SOARES

Ver Di Gessa G, Glaser K, Price D, Ribe E, Tinker A. What Drives National Differences in Intensive Grandparental Childcare in Europe? J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2016 Jan;71(1): págs. 141-53.
doi: 10.1093/geronb/gbv007. Epub 2015 Mar 16.

Fazer o bem faz bem

Algumas conversas entre velhinhos e, sobretudo, velhinhas são muito interessantes. Parecem competições verbais sobre quem se sacrifica mais por seus netinhos e suas netinhas. Há, claro, críticas, algumas vitriólicas, sobretudo as dirigidas a noras e genros.
Avôs e avós podem contribuir muito e, exageros à parte, não poucos o fazem.
Porém, essas atividades também podem beneficiar os que dão seu tempo, esforço e dinheiro. Beneficiam, também, os que dão e nã, apenas, os que recebem. Burn e Szoeke demonstram que o conjunto de atividades típicas de vovós e vovôs beneficiam cognitivamente outras pessoas, além dos netinhos e das netinhas e de suas mães e pais.

[ Katherine Burn e Cassandra Szoeke, Is grandparenting a form of social engagement that benefits cognition in ageing? Maturitas, Volume 80, Issue 2, February 2015, pags 122-125.
https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2014.10.017]

Quem???
...as vovós e os vovôs!
Ajudar na criação, na proteção e na educação dos netinhos e das netinhas pode beneficiar os dedicados vovôs e vovós. Essas atividades podem estimular mecanismos cognitivos que elevam o nível cognitivo dos idosos. Na média, o declínio cognitivo dos vovôs e vovós que participam da vida dos netinhos é mais lento do que o dos demais idosos.
Porém, esse benefício tem limites. Os vovôs e as vovós que exercem essas atividades num nível muito, muito intenso, que não leva em consideração o declínio natural da capacidade física e psicológica que acompanha a idade, sofrem as consequências do exagero.
Ou seja, muito é bom; demais é demais...
Além disso, a dinâmica do exagero é diferente da das tarefas executadas dentro de limites saudáveis. Inclui serviços prestados a outros, particularmente a filhos e filhas negligentes, mas também a pessoas contratadas que executam mal os serviços para os quais foram contratadas. Esse exagero acelera o declínio cognitivo dos prestativos vovôs e vovós.
Mesmo em países nos quais o setor público funciona, há poucos serviços à disposição dos velhinhos que exercem funções secundárias ou suplementares. Velhinhos e velhinhas só têm acesso a esses serviços quando eles são os cuidadores primários das crianças, como nos casos de morte e abandono de pais e mães.
É possível que os benefícios de ajudar na criação e educação de netinhos e netinhos ajude os velhinhos e velhinhas a viver mais. É o que diz Dr. Sonja Hilbrand, da Universidade de Basel, na Suiça. Ela e sua equipe analisaram dados do Berlin Aging Study.
Essa pesquisa analisou perto de quinhentas pessoas que foram entrevistadas entre 1990 e 1993 e foram acompanhadas até 2009.

[ Sonja Hilbrand, David A. Coall, Denis Gerstorf e Ralph Hertwig, Caregiving within and beyond the family is associated with lower mortality for the caregiver: A prospective study. Evolution and Human Behavior, Volume 38, Issue 3, May 2017, pags 397–403.]

Dividiram esses idosos em três grupos: os que tiveram filhos e/ou filhas e netos e/ou netas; os que tiveram filhos e/ou filhas, mas não tiveram netos ou netas e os que não tiveram filhos nem filhas (e, portanto, não tiveram netos nem netas).
A pergunta central dessa análise era:
Na média, quanto tempo viveram os membros de cada um desses três grupos? Avaliaram a sobrevivência a partir da primeira entrevista, até a data da morte.
A dra. Hilbrand sabia que há vários estudos mostrando que fazer o bem...faz bem. Tratar dos outros, ajudar o próximo, faz bem para a saúde.
Mas... será que afasta a morte?
Os resultados sugerem que sim. Metade dos vovôs e vovós que ajudaram na criação dos netinhos e netinhas estava vivinha da Silva dez anos depois da primeira entrevista.
O grupo mais parecido com esse, os que eram avôs e avós, mas não participavam da educação e criação dos netinhos e netinhas, viveu menos: a metade morreu antes de cinco anos.
E os que não tiveram filhos ou filhas? Foram divididos em dois grupos: os que ajudaram amigos ou vizinhos, seja emocionalmente, seja praticamente, e os que não ajudaram ninguém. Também nesses grupos, sem familiares para ajudar, fazer o bem fez bem. A mediana de sobrevivência dos que ajudavam alguém foi de sete anos, ao passo que no caso dos que não ajudaram ninguém foi de apenas quatro anos.
Claro está que há problemas metodológicos que comprometem os resultados. O número de casos é limitado. A possibilidade de endogenia é clara: pessoas com problemas de saúde, doenças cronicas, recursos físicos e financeiros escassos, têm capacidade de ajudar menor e risco de morte maior. Sem um rigoroso controle dessas condições na primeira entrevista, não sabemos se elas já estavam presentes na primeira entrevista.
Não obstante, até que apareçam dados em contrário, continuo afirmando que fazer o bem faz bem e que amar também faz bem.

GLÁUCIO SOARES

O TRISTE FIM DE UMA VÍTIMA DE MUITAS VIOLÊNCIAS

Columbine é um nome que ficou marcado na história da violência. Em 20 de abril de 1999, há pouco mais de vinte anos, dois estudantes da última série da Columbine High School, no Estado de Colorado, chamados Eric Harris e Dylan Klebold, mataram doze estudantes e um professor. Os assassinos cometeram suicídio.
Houve muitos protestos nos Estados Unidos, mas protestos só se transformam em leis através do Legislativo americano. E o lobby das armas, a NRA (National Rifle Association) tem uma política agressiva com dois alvos: apoiar os deputados e senadores armamentistas e apoiar os adversários dos desarmamentistas. Essa segunda estratégia política não faria muito sentido num sistema proporcional, mas é muito eficiente num sistema majoritário, onde somente um deputado é eleito em cada distrito. No Brasil, a indústria e o comércio armamentistas obtém melhores resultados elegendo políticos favoráveis do que impedindo a eleição de opositores. Apoiaram vários políticos importantes eleitos em 2018.
O total das vítimas de Columbine é maior do que o número de pessoas que morreram no local ou pouco tempo depois, no hospital. Para cada vítima direta, há um número maior de vítimas ocultas, parentes e amigos dos que morreram ou foram feridos. A dor provocada pela violência é muito maior do que a que os olhos podem ver na cena do crime e dura muito tempo -anos, muitos anos, décadas.
O professor assassinado, William "Dave" Sanders, salvou muitas vidas. Foi o terceiro a ser atingido e o último a morrer. Ficou conhecido pela sua coragem e pelo seu sacrifício. Mesmo ferido, continuou protegendo e orientando os estudantes. Uma estimativa coloca em mais de cem o número de vidas que Dave salvou. Mas, coragem e glória à parte, o professor tinha uma família: deixou uma viúva, quatro filhos e filhas sem pai e cinco netinhos e netinhas, que perderam o vovô Dave. Não há estatísticas para a dor dessas pessoas.
Além das vítimas ocultas, relacionadas por laços de família e amizade com os mortos e feridos, há outras vítimas não computadas. Houve 21 feridos na escola e mais três feridos enquanto fugiam do massacre. O trauma psicológico não fecha junto com as feridas das balas.
Um dos feridos era Austin Eubanks. Seu melhor amigo, Corey DePooter, morreu ao seu lado. Já no hospital, para combater a dor dos ferimentos, teve que tomar medicamentos, analgésicos fortes e, depois, opioides. Virou dependente. Conseguiu superar a dependência e se tornou um ativista contra as drogas. Mas os danos ao seu corpo e mente eram profundos. Faleceu há pouco, aos 37 anos. Viveu quase meio século a menos do que a estimativa para uma pessoa normal nascida no mesmo ano nos Estados Unidos. Não há estatísticas para esse tipo de vítimas.
Vivemos num momento, no Brasil, em que a indústria das armas tenta se aproveitar de um momento politicamente favorável para enfraquecer o Estatuto do Desarmamento.
Por que fazem isso?
Por idealismo?
Por dinheiro. Querem ganhar mais dinheiro às custas das nossas vidas.
Simples assim.

GLÁUCIO SOARES

Wednesday, August 15, 2018

O MEDO E A MORTE


Este mês completei 23 anos desde que fui diagnosticado com câncer. Infelizmente, o câncer não foi curado, a despeito de diferentes tratamentos.

Como pesquisador, minhas reações começaram com o meu desconhecimento. Eu não sabia nada a respeito de câncer. Tratei, primeiro,de ler órgãos de divulgação, comunicações entre pacientes e assim  por diante. Eram trocas de experiências, de lamúrias, de sugestões, várias de curas milagrosas, remédios  “que a indústria farmacêutica não quer que você conheça “ - abertura comum de quem quer anunciar sua própria cura milagrosa (e rentável). Havia de tudo.

Porém, uma revista, PSA Rising, foi particularmente útil. Depois, descobri publicações mais sérias, embora acessíveis somente para quem quisesse estudar um pouco. Primeiro, as edições diárias de Google Prostate Alert, juntamente com as edições diárias e a semanais de Uro Today, e mais alguns artigos especializados após essas leituras. Quando havia coisa nova, corri atrás. Facilita ter um filho biólogo. E eu buscava no PubMed.

A maioria dos comentários, como era de esperar, caia em algumas categorias. As que mais me impressionavam eram os pedidos de informação que revelavam quão pouco os pacientes e parentes  sabiam sobre suas doenças e, em função disso, quão pouco controle tinham sobre a vida dos pacientes  - muito menor do que a doença permitia. Deixavam de fazer muitas coisas que podiam fazer.Pior: os que mais e melhor buscavam informações não eram os pacientes, mas suas esposas, irmãs, filhos, companheiras. Muitos pacientes propriamente ditos se fechavam num quarto escuro esperando morrer. A coragem das mulheres para enfrentar um câncer da mama e outros cânceres femininos é incomparavelmente maior. Um dos efeitos mais acachapantes sobre os pacientes de cânceres masculinos vem do próprio machismo. O mesmo machismo que causa dor em tantos casamentos causa mais pavor e desespero em muitos homens vítimas de cânceres da próstata do que o próprio câncer.

Essas foram poderosas razões para que eu começasse a escrever dois blogues, um no Blogger e outro no WordPress. Minha esperança era atingir umas cem  pessoas e ajudar umas poucas. Afinal, mesmo para que tem só um pouco de fé, minorar o sofrimento de uma alma é um objetivo louvável em si próprio. Nunca pensei que meu blog Câncer de Próstata; Notícias e Pacientes teria 883 mil acessos e o meu outro blog, Câncer da Próstata Sem Medo tivesse 915.000 leitores.

E o câncer? O  “meu“ câncer?

Está por aí. Ou melhor dizendo, por aqui. Os marcadores bioquímicos mostram que ele não foi curado.

Às vezes, também eu sinto medo, porque se a metástase for para os ossos, a dor é muito grande.

Mas até aí, nesse medo menor, Deus me deu mais uma lição. Eu estava em casa, sozinho, trabalhando na minha escrivaninha quando apaguei. Apaguei total, não me lembro de nada. Minha mulher me encontrou desfalecido, boca torta e tudo. Minha lembrança veio com o incômodo de sentir pessoas tentando me comprimir dentro do assento de um taxi cujo volume me parecia inferior ao meu. 

Tive um ataque transitório isquêmico. Um AVC menos sério, algo assim.

E foi uma palmada, mesmo, que Deus me deu. Palmadinha. Afinal, estou aqui escrevendo para vocês.

Com carinho.

GLÁUCIO SOARES

IESP-UERJ

23 ANOS COM CÂNCER, CÂNCER E AVC, metástase do câncer da próstata,S0BREVIVÊNCIA,câncer e derrame

Saturday, July 21, 2018

Morre um menino

José era um menino de cerca de dez anos que trabalhava como voluntário num programa católico de alimentação grátis a moradores de rua. Doava seu tempo, servindo café da manhã ou almoço aos mais pobres. Era dono de um sorriso irradiante. Tudo leva a crer que passaria sua vida ajudando os pobres, distribuindo sorrisos, fazendo o bem.

Foi atropelado no seu quadriciclo em Bonito, Pernambuco. Mas, em Pernambuco, mesmo depois de tantos governadores e prefeitos, tudo está concentrado no Recife. José teve que ser transportado até a capital (são cerca de duas horas). Em alguns acidentes, o tempo até o atendimento médico é crucial. Muitos brasileiros morrem porque o atendimento demora e nem sempre é competente.

No Brasil, cerca de 50 mil pessoas morrerão no trânsito em 2018 e outras 400 mil sofrerão lesões sérias. Temos uma taxa por 100 mil veículos de 57,5, mais do dobro do que a da Argentina (24,3), mais de dez vezes a da Espanha (5,3). Das regiões brasileiras, o Nordeste e o Norte têm as taxas mais altas entre as regiões brasileiras.

Para explicar as altas taxas brasileiras, é preciso juntar a incompetência e a corrupção das elites políticas, em todos os níveis, e o baixo nível de civismo de parte da população, que dirige alcoolizada, em excesso de velocidade e desobedecendo às leis do trânsito, que foram feitas para proteger os que estão dentro dos veículos e fora deles.

Há perto de duas décadas, um programa de prevenção reduziu a taxa de mortalidade à metade no Distrito Federal. Chamado Paz no Trânsito, ficou conhecido. Resultados semelhantes salvariam 25 mil vidas por ano, todos os anos.

Essa carnificina é feita por pessoas, por brasileiros.

Pessoas, brasileiros, podem acabar com ela.

GLÁUCIO SOARES IESP/UERJ

Trânsito: Mortes Evitáveis,buggies,colisões,atropelamentos,centros de trauma

Tuesday, July 10, 2018

Os idosos e o hexa

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Nós, coroas, também gostamos de futebol. Alguns... Gostaríamos de ver, torcer e sentir o hexa. Afinal, o Brasil vai mal em tantas coisas que, para um grupo de coroas, o hexa seria um consolo, ainda que pequeno e passageiro. Duraria até o próximo dissabor, talvez um tiroteio na vizinhança, uma nova doença, a falta de um medicamento, a soltura do Sérgio Cabral, o cancelamento de uma visita de um filho ou filha... Enfim, muitas das coisas que reduzem, com frequência, a qualidade de vida dos idosos.

Mas há outro grupo de idosos que fica feliz com as derrotas. São os que não se interessam por futebol e se sentem incomodados com os feriados e o fato de que nada funciona nos dias de jogos do Brasil. Tudo fecha. Não é que nos outros dias funcione bem, mas pelo menos abre. Mas há mais um grupo, interessante de analisar: os velhos revolucionários!  Torcem contra. Acham que, com as derrotas, o potencial revolucionário do povo brasileiro aumenta. Estou falando de gente séria, que acredita, mesmo, nisso!

Mas, qual a probabilidade de que nós idosos, seja do tipo solitário rabugento, do tipo “pele curta” (o cordial sempre sorridente), o eterno revolucionário - o que for - tem de assistir e torcer na próxima Copa? Aos 80, a esperança média de vida é 88,9 anos para os homens. E para as mulheres, a esperança é um ano maior. Quem sabe, vai dar para cobrir duas Copas, ambas fora da Europa, o que aumenta as chances do Brasil (e dos não europeus, em geral).

Claro que a esperança é maior para os que tem boa saúde.

E o que acham os diferentes grupos de coroas? Qual a previsão deles? Os Pele Curta acham que verão duas, talvez três Copas a mais. Daqui mesmo. Se não for daqui, será de um lugar melhor. Os Solitários Rebujentos, pessimistas, acham que verão as próximas Copas de um lugar pior. Os Coroas Revolucionários seguem a tradição e estão divididos. Um grupo, otimista, acha que ninguém verá mais Copas porque a Revolução virá e acabará com a Copa, ópio do povo. Outro grupo, mais pessimista, acha que a revolução não virá porque o povo não está maduro. E eles não verão mais Copas porque, antes da próxima Copa, quando baterem o pacau acabará tudo e não há de onde ver.

E eu?

Aos 84, com câncer, fibrilação atrial, embolias pulmonares múltiplas, artrites e artroses espalhadas etc. Estatisticamente, de acordo com uns testes, já deveria ter morrido há duas Copas atrás. Estatisticamente... Ponto fora da curva e até fora do papela A-4.

Tenho toda a intenção de ver o deca.

Daqui mesmo.

Gláucio Soares

Friday, July 06, 2018

Índice automatizado para prever a sobrevivência de cancerosos

Há quase consenso de que avaliar corretamente o que acontecerá com o paciente é algo positivo. No câncer da próstata, o estado dos ossos é importante para um prognóstico correto. Atualmente, é feito “a olho” pela maioria dos médicos. Foi desenvolvido um Index que ajuda a prever a agressividade do câncer, mede o efeito dos tratamentos, prevê o tempo de sobrevivência etc.

Só há programas que estão sendo desenvolvidos para fazer isso automaticamente. Um deles se chama “The automated Bone Scan Index” (aBSI).

Claro, o aBSI, como qualquer índice, tem que ser validado empiricamente. É preciso mostrar que funciona, que ajuda no prognóstico.

Andrew J. Armstrong e associados fizeram isso. Recrutaram 1245 pacientes com cânceres avançados, que não respondiam mais à terapia hormonal (mCRPC), que tinham metástases, e não tinham feito químio. Desses, 721 tinham informações que permitiram o uso do aBSI.

Queriam saber se o aBSI era capaz de prever a sobrevivência daqueles pacientes. Dividiram os pacientes em quatro grupos com aproximadamente o mesmo número de pacientes, de acordo com o aBSI, do melhor para o pior (quanto mais baixo o aBSI, melhor) e viram qual a mediana da sobrevivência de cada grupo. Esses grupos estatísticos são chamados de quartís. A sobrevivência mediana, no melhor quartil, foi de 34,7 meses - quase três anos; nos demais quartís foi de 27,3, 21,7 e 13,3 meses.

É, portanto, um instrumento válido. Evidentemente, poderá ser melhorado.

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ

Friday, June 29, 2018

Estatinas e o risco de morrer de câncer da próstata

Uma pesquisa recente feita na Finlândia trouxe informações a respeito das associações (ou não) entre o uso de estatinas e o risco de morte por câncer da próstata. É uma pesquisa que somente poderia ser feita em poucos países com excelentes bases estatísticas que são compatíveis. Analisaram 6.537 homens com câncer da próstata, acompanharam esses homens durante sete anos e meio e cruzaram as informações com o banco de dados que contem informações sobre o uso de medicamentos, no caso estatinas.

Durante o período em que os acompanharam (NÃO é o mesmo que o tempo desde o diagnóstico), morreram 617 pacientes.

A que conclusões chegaram? 

A primeira não ajuda quem já usava estatinas antes do diagnóstico do câncer. Não há associação entre o uso e a morte pelo câncer.

A segunda conclusão é muito diferente. O uso de estatinas DEPOIS do diagnóstico é o que conta. Reduz o risco de morte devida ao câncer (HR 0.80) e quanto mais estatinas usaram (suponho que dentro dos limites estabelecidos pelo médico), maior a redução.

A redução era mais clara entre os que usavam terapia hormonal e menor entre os que fizeram cirurgia e/ou radiação.

Deixo claro que há vários estudos sobre essa associação e nem todos mostram uma redução na mortalidade com o uso de estatinas.

GLÁUCIO SOARES iesp-uerj

Saiba mais:

Murtola TJ, Peltomaa AI, Talala K, Määttänen L, Taari K, Tammela TLJ, Auvinen A., Statin Use and Prostate Cancer Survival in the Finnish Randomized Study of Screening for Prostate Cancer. Eur Urol Focus. 2017 Apr;3(2-3):212-220. doi: 10.1016/j.euf.2016.05.004. Epub 2016 Jun 2.

Tuesday, June 26, 2018

A FIFA

Há quatro anos, por ocasião da Copa de 2014, fiz uma pesquisa secundária sobre a FIFA. A história da FIFA revela, para mim, três aspectos muito negativos: era uma instituição oligárquica e autoritária; era uma instituição corrupta, pessoal e institucionalmente, e era uma instituição eurocêntrica. Era, também, um momento com muitas manifestações de rua capitaneada por jovens estudantes contra o aumento das passagens de ônibus, criticando, também, os exagerados gastos com a contrução de estádios desnecessários e a realização da Copa do Mundo no Brasil.

Quanto mudou, de lá para cá? Não sei. O então presidente, Joseph Blatter, foi afastado por corrupção. Talvez o nível da corrupção tenha sido muito reduzido. Não sei.

A pesquisa gerou um artigo, “Bilhões x centavos”, que reproduzo:

Organizações internamente oligárquicas e autoritárias, como a Fifa, convivem mal com países democráticos. Algumas das bandeiras levantadas pelos manifestantes, que estavam presentes nas redes sociais há tempos, se referiam à conveniência (ou não) de realizar copas e olimpíadas quando faltam recursos para a infraestrutura, o transporte, a educação e a saúde. Há alguns pontos relacionados aos eventos esportivos internacionais que o Brasil sedia e sediará que são perturbadores e podem levantar novas bandeiras e alimentar novas manifestações. É um ninho de vespas esperando ser tocado.

A Fifa é uma organização democrática? Julgue você: ela foi fundada em 1904 e teve oito presidentes até agora (2014), com uma permanência média de 13,6 anos no poder. É muito. Jules Rimet, cujo nome marca a taça das Copas Mundiais, presidiu a Fifa durante 33 anos. Três ocupantes morreram na presidência. A presidência da Fifa revela sua origem eurocêntrica. Dos oito presidentes, sete eram ou são europeus. Nosso conhecidíssimo João Havelange, até agora, é a única exceção (atualização feita em 2018: oito em nove são europeus). Teve o inegável mérito de globalizar o futebol e a Fifa, contra, diga-se de passagem, os protestos de muitos europeus. Porém, ele também teve um extenso reinado, de 24 anos, marcado por acusações de corrupção. O atual presidente, Blatter (era o presidente em 2014), assumiu em junho de 1998. Já completou quinze anos na presidência.

Esse caráter autocrático, com concentração de poder e número ilimitado de reeleições, marca muitas associações esportivas, nacionais e internacionais. O próprio Havelange, quando presidiu a CBF, permaneceu 23 anos. Roberto Teixeira, que saiu pouco antes de 2014, outros 23. E há problemas de nepotismo e corrupção. Ricardo Teixeira foi casado com a filha de João Havelange, Lúcia. Outras organizações esportivas, nacionais e internacionais, também se caracterizam por extensas permanências dos que ocupam os cargos mais altos e por empregar parentes e amigos de seus presidentes ou diretores.

Organizações internamente autocráticas convivem mal com países democráticos. Segundo o “The Sun”, Jérôme Valcke, secretário-geral da Fifa, afirmou que era mais fácil lidar com um líder forte, como Putin, do que com países democráticos, como a Alemanha. Blatter foi mais longe: afirmou que a Copa de 1978, na Argentina, foi uma forma de reconciliar os argentinos com o sistema político. Como sabemos, era uma ditadura militar. No dia 2 de outubro de 1968, ocorreu um massacre em Nonoalco-Tlatelolco, no México. Havia uma manifestação, como as no Brasil, lideradas por jovens. As forças repressivas abriram fogo. As estimativas do número de mortos variam entre 30 e 300. Menos de dois anos depois o México, ainda presidido por Diaz Ordaz, sediou as Olimpíadas e, em 1970, a Copa.

Alguns desses problemas são debatidos no mundo dos esportes. Os presidentes das associações dinamarquesa e alemã, Allan Hansen e Wolfgang Niersbach, criticaram a recusa da Fifa a discutir temas como a idade limite e a duração dos mandatos.

Os presidentes e altos funcionários ficaram e ficam por abnegação? Por altruísmo?

É difícil acreditar. Ninguém sabe quanto ganha Blatter. A Fifa não revela. Em maio deste ano, Mark Pieth, um advogado suíço, exigiu que a Fifa revelasse o quanto ganham os membros da sua hierarquia. Segundo a organização The Richest (http://www.therichest.org), o patrimônio de Blatter seria de dez milhões de dólares; Blatter teria admitido que seu salário era de £ 598.000 em 2010, cerca de dois milhões de reais ao cambio de junho de 2014.

A Fifa vive de eventos. Uma estimativa nos dá 87% das suas receitas neste quesito. Tem deixado a receita das entradas e ingressos para o país sede. Ajudou a África do Sul com 500 milhões de dólares, muito pouco, considerando os gastos do país com a construção e a reconstrução de estádios, a custosa melhoria dos transportes para os estádios, aeroportos e áreas de turismo, e segurança. O “New York Times”, no dia 20 de junho, foi enfático ao afirmar que “nem a Fifa nem o Comitê Olímpico Internacional financiam os estádios multibilionários, nem pagam pela infraestrutura, o policiamento... Mas são a Fifa e o COI que [recebem] os bilhões da receita das televisões”. Até os direitos televisivos e de marketing são reservados para a Fifa. Eles são o filão das copas. Quanto rendem? A Fifa fica com eles. Assinou um contrato com a ABC/ESPN para a transmissão de seus eventos de 2007 a 2014 somente na língua inglesa: 425 milhões. É um monopólio assegurado pela lei (nº 12.663 de 5/6/2012, Seção III, Art. 12).

O orçamento da Fifa para 2011-2014 estima uma receita de quase quatro bilhões de dólares. Feliz com esses resultados, Blatter aumentou a contribuição da Fifa para as seis confederações regionais: dois milhões e meio para cada uma. Aumento pequeno. Quinze milhões, no total, ou menos de 0,004% do mencionado orçamento.

Há um contraste entre o caráter autocrático da Fifa, as frequentes acusações de corrupção a seus próceres, suas altas receitas, os salários não revelados dos seus dirigentes, e os ideais modestos, socialmente igualitários e contra a corrupção dos manifestantes jovens e éticos fora dos estádios.

GLAUCIO SOARES


25/06/2013 9:11
Leia mais: https://oglobo.globo.com/opiniao/bilhoes-centavos-8803470#ixzz5J0fxyR8u
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Tuesday, May 22, 2018

DADOS SOBRE O CÂNCER DA PRÓSTATA

Há quem não leve o câncer da próstata em sério. As estatísticas, no Brasil, deixam muito a desejar e as relacionadas com o câncer da próstata ainda mais.

Então???

Usamos estatísticas de outros países, deixando claro que elas são um substituto pobre para avaliar o que ocorre no Brasil.

Nos Estados Unidos, um em cada nove homens será diagnosticado com câncer da próstata. Os números oficiais no Brasil podem ser mais baixos porque muitos, muitos casos não são diagnosticados.

Naquele país, um homem morre devido ao câncer da próstata cada 18 minutos. São cinco só no tempo corrido de um jogo de futebol. E no Brasil?

Não sabemos.

Cada 18 minutos um homem morre devido ao câncer da próstata nos Estados Unidos. E no Brasil?

Não sabemos.

Perto de trinta mil americanos morrerão devido ao câncer da próstata em 2018. Entre 1995 e 2016, inclusive, 3.277 americanos morreram devido a ações terroristas nos Estados Unidos. As mortes devido ao câncer da próstata matam, em um só ano, nos Estados Unidos, nove vezes mais do que o terrorismo matou em vinte e dois anos. Não obstante, os homens americanos temem mais o terrorismo do que o câncer da próstata, e o financiamento antiterrorista é tão maior do que o financiamento para a pesquisa e prevenção do câncer da próstata, que essa comparação perdeu o sentido.

O câncer da próstata é o segundo câncer que mais mata homens no mundo, superado, apenas, pelo câncer do pulmão.

Leve o câncer da próstata em sério.

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ

Thursday, March 08, 2018

A Independência de Raquel Dodge

Quando Raquel Elias Ferreira Dodge foi escolhida para comandar a Procuradoria Geral da República tive medo de que não fosse independente, de que estivesse a serviço do governo Temer.

Errei e me penitencio. Aliás, foi muito bom que eu estivesse errado. Já imaginaram o que seria uma PGR a serviço de Temer e seu governo?

Ufa!

GLÁUCIO SOARES  IESP-UERJ

PGR,procuradoria,Raquel Dodge,independência de Raquel Dodge

Friday, February 09, 2018

Bons resultados com a enzalutamida


Uma equipe internacional analisou as vantagens em usar enzalutamida quando o tratamento hormonal não produz mais os efeitos desejados e o câncer começa a avançar. Esse medicamento só é usado legalmente nos Estados Unidos quando, além de indicação de que a terapia hormonal começou a falhar (ex.: crescimento rápido do PSA) e há indícios de metástase. Esses indícios são em parte um sofisma legal e metodológico nos casos em que houve prostatectomia porque o crescimento do PSA normalmente resulta da proliferação de células cancerosas em algum lugar do corpo (sem esquecer que esse corpo já não tem próstata). Não obstante, a detecção é, em boa parte, dependente do avanço da tecnologia. Há duas décadas, a metástase não teria que ser tão avançada quanto hoje para ser detectada. micro metástases serão corriqueiramente detectáveis em mais algum tempo. Essa questão me interessa particularmente porque agora talvez seja uma questão de pouco tempo até que a terapia hormonal perca seu poder. Quando as metástases acontecem, medicamentos como abiraterona e enzalutamida podem ser usadas, quando ainda não, não podem legalmente ser usadas nos Estados Unidos, ainda que haja dados que mostram que o uso enquanto não há metástase detectável tem muitos benefícios.

Quando ler artigos na área e encontrar a expressão “endpoints” saiba que estão tratando de objetivos. O tempo que o paciente passa até que apareça uma metástase é chamado de MFS (metastasis free survival). É uma mediana o tempo que leva até que metade dos pacientes tenha metástase e metade não. Sem enzalutamida, esse período é de 14,7 meses; com enzalutamida, leva mais tempo para chegar até a mediana que é de 36,6 meses. Uma diferença de 21,9 meses.[i] Aperte o botão Controle e, ao mesmo tempo, clique encima do endereço abaixo para ver os gráficos.

https://infogram.com/revisando-o-efeito-da-enzalutamida-1hke600081m065r

Lembrem que isso é até a primeira metástase detectável.

O tempo até o PSA voltara a crescer é outro objetivo. Quanto mais tempo, melhor. Sem tratamento, na mediana o PSA cresce em menos de quatro meses. Com enzalutamida é muito mais: 37,2 meses, mais de três anos [P< 0,0001].

São excelentes resultados, mas há efeitos colaterais e alguns deles fazem com que os pacientes desistam do tratamento.

GLÁUCIO SOARES IESP/UERJ

[i] A diferença é significativa no nível de P< 0.0001.

enzalutamida,terapia hormonal,metástase,metástase do câncer da próstata,metástase e morte,PSA,PSA e sobrevivência

Tuesday, January 16, 2018

DECLÍNIO DO PSA DEPOIS DA TERAPIA HORMONAL E SOBREVIVÊNCIA

Na primeira leva de tratamentos do câncer da próstata, o objetivo, claro, é a cura. Cirurgia, radiação e vários outros tratamentos são usados nesse momento, isoladamente ou em combinação. Se, esgotados esses recursos, o câncer não for curado, a maioria dos médicos considera que o câncer não pode mais ser curado. Nos Estados Unidos, essa situação é comunicada como parte de um dever de oficio; além disso, suspeito que os pacientes americanos fuçam a internet mais do que os brasileiros.

Há dois importantes senões nesse momento:

· Isso não quer dizer que os pacientes vão morrer deste câncer. Em verdade, a maioria morre de outras causas;

· Os tratamentos passam a ter outros objetivos, como parar, postergar o avanço do câncer ou reduzir a velocidade desse avanço, reduzir dor e desconforto nos casos mais adiantados etc..

Os tratamentos mudam e dependendo da existência – ou não – de metástase e da agressividade do câncer, muitos pacientes podem ser acompanhados sem tratamentos mais pesados ou invasivos. Caso contrário, um tratamento comum é o hormonal que busca reduzir os níveis de testosterona. O tratamento pode ser “mono”, sozinho ou combinado.

Uma pesquisa recente mostra que a redução do PSA nos sete meses (nada de magico nesse número – poderiam ser seis meses, dez meses etc.) após o inicio do tratamento se correlaciona intimamente com a sobrevivência. Se o PSA baixar a 0,2 ng/mL ou menos as perspectivas são muito melhores se comparadas com os pacientes cujo PSA era de 4 ng/Ml ou mais. O risco de morte era 82% menor. Boa notícia para mim, porque o meu PSA baixou a 0,05 ng/Ml.

Para entender bem o próximo resultado é preciso ter uma noção do que é mediana. Se você ordenar os pacientes de acordo com a sobrevivência, a mediana é o número de meses que separa a metade que viveu menos da metade que viveu mais. A mediana da sobrevivência (em meses) dos que baixaram o PSA a 0,2 ou menos é muito menor do que o grupo cujo PSA ficou em quatro ou mais após sete meses do inicio do tratamento. No grupo com PSA mais alto a mediana da sobrevivência foi 21,6 meses. Metade desses pacientes morreu antes de 21,6 meses do início do tratamento. A outra metade morreu depois ou não havia falecido quando a pesquisa foi encerrada. No grupo cujo PSA, depois de sete meses, estava em 0,2 ou menos, metade morreu antes de 72,8 meses, mais de seis anos, e a outra metade ou morreu depois ou continuava viva quando a pesquisa foi encerrada.

É uma diferença muito grande.

A pesquisa incluiu uma mistura de pacientes que só foram tratados com a terapia hormonal e de pacientes que, além da terapia hormonal, fizeram, também, quimioterapia. Nessa nota comparo, apenas, os que fizeram a monoterapia hormonal.

O artigo foi publicado no Journal of Clinical Oncology.

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ

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Wednesday, January 10, 2018

O câncer da próstata “dá” em cachorros?

A função de Piper era discreta, mas importante. Piper estava encarregado de afugentar animais, particularmente pássaros, das imediações das pistas do aeroporto onde trabalhava, em Michigan. Os choques de aviões com pássaros já causaram milhares de quase acidentes e alguns acidentes. A aterrissagem e a decolagem são os dois momentos mais vulneráveis de um vôo. Piper era um segurança exemplar e era amplamente reconhecido no mundo dos treinadíssimos cães de segurança.

Piper morreu na semana passada, depois de lutar durante um ano contra um câncer da próstata. Embora o câncer tivesse sido diagnosticado no início de 2017, Piper trabalhou alegremente até poucos dias antes de morrer. Dez horas por dia.

No Natal ainda estava protegendo os viajantes.

Há uma elaborada mitologia popular sobre esse câncer. Primeiro, não afeta somente seres humanos; também afeta outros mamíferos.

Segundo, embora seja muito mais comum entre idosos, também afeta homens maduros. Em casos raríssimos afeta até crianças. A prevenção é a nossa arma mais eficiente.

Finalmente, não é um produto da civilização contemporânea e de suas contradições. Já foi encontrado nos ossos de múmias multimilenárias. São casos avançados, com metástase óssea. Não são mais frequentes porque a esperança média de vida era inferior às faixas etárias mais vulneráveis ao câncer da próstata.

Piper evitou sustos, ferimentos, possivelmente vidas.

https://www.washingtonpost.com/…/rip-piper-a-heroic-dog-w…/…

https://www.cbsnews.com/…/piper-the-airport-dog-loses-batt…/

https://www.cbsnews.com/…/piper-the-airport-dog-loses-batt…/

RIP Piper, a heroic dog who kept airport runways safe

Two years after the border collie went viral, he chased his last snowy owl from the Michigan airport where he worked.

WASHINGTONPOST.COM

cachorros detectam câncer na urina,câncer agressivo da próstata,Piper,cães de segurança,câncer em hominídios,câncer há cinco mil anos

Tuesday, December 12, 2017

Propina para um ou bolsa para dois milhões?

Vimos, hoje, a notícia a respeito da propina recebida por um funcionário da Receita Federal – a bagatela de 160 milhões. O Globo (G1) que, creio, não pode ser acusado de esquerdista, comunista etc. e tem uma competente equipe de repórteres e de revisores, informa que “Grupo dos irmãos Batista teria pago R$ 160 milhões para agilizar liberação de créditos tributários.” Essa é a propina total, paga ao longo de vários anos, a um fiscal da Receita. A delação foi feita pelos responsáveis pela própria JBS.

Há, da parte da direita mais sectária e mal informada, a impressão de que o Bolsa Família seria um programa caríssimo e muito mal administrado.

Nem um, nem outro.

Em 2015, o custo total do programa foi cerca de 27 bilhões de reais. Um pouco mais de meio por cento do PIB. No mesmo ano, as renúncias fiscais (impostos de que o Estado abriu mão), programas que alguns, ironicamente, chamam de “Bolsa Empresário”, equivaleram a 400 bilhões de reais em 2017. A fonte não é Granma, jornal oficial do PCC (cubano). É, uma vez mais, o insuspeitíssimo G1. Claro que há partes válidas no argumento de que as renuncias fiscais contribuem para combater a recessão etc.

O Bolsa Família tem benefícios; porém, muitos não dispõem dessa informação. É fácil aceitar dois desses: a elevação do nível educacional das crianças das famílias beneficiadas e uma redução dos gastos médicos graças a redução da fome e da desnutrição. E há quem defenda, com dados e seriedade, que o Bolsa Família tem um expressivo efeito multiplicador.

Porem, o meu foco não é esse. Voltemos à noticia de hoje, dos 160 milhões que teriam sido recebidos por um funcionário corrupto da Receita.

Comparemos com o Bolsa Família: quanto recebem os beneficiados? Quem são eles? Quem pode receber?

Busque a informação na Caixa Econômica: para participar, é preciso que a família esteja em situação de pobreza ou de extrema pobreza. As famílias devem ter renda mensal de até R$ 85,00 por pessoa (extremamente pobre) ou que sejam pobres, com renda mensal entre R$ 85,01 e R$ 170,00 por pessoa (pobre).

Se você, que pertence à classe média e mora no Rio de Janeiro (ou cidade equivalente) teve que pedir o almoço por entrega e um refrigerante, você gastou a renda mensal de uma pessoa extremamente pobre. Essa pessoa recebe do PBF aproximadamente a mesma quantidade, 85 reais.

Voltemos ao nosso possível corrupto da receita. Quantas pessoas seriam ajudadas pelo PBF com o que parece que o nosso corrupto recebeu de propina?

Só a propina equivale a 1.882.352 bolsas. Chegando perto de dois milhões de bolsas. Só esse ladrãozinho e seu grupo (se é que, realmente, receberam propina da JBS – tudo sujeito a confirmação) recebeu o equivalente ao benefício anual de 156.863 pessoas paupérrimas.

Essa é a medida da corrupção e das injustiças que elas representam.

Para visualizar melhor, encha o Beira Rio, o Engenhão, o Pacaembu e o Independência com pessoas muito, muito pobres, subnutridas, em andrajos, beneficiários do Bolsa Família. Aquela pessoa, ou aquele grupinho, afanou o equivalente à renda anual de todas essas pessoas.

Se você ainda acredita que o Bolsa Família é o principal erro, um problema dos mais sérios do Brasil, e que a corrupção é coisa pouca...

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ

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Tuesday, December 05, 2017

PRESERVANDO O NOSSO CÉREBRO

O cérebro parece um músculo: exercitando-o se desenvolve; deixando parado, se atrofia.

Infelizmente, não é bem assim. Se fosse, os mundos acadêmico e intelectual estariam recheados de atletas olímpicos, cognitivamente falando. Porém, somos todos suscetíveis à demência e ao mal de Alzheimer’s.

O que não quer dizer que exercitar o cérebro seja inútil.

Uma pesquisa, que foi financeiramente apoiada pela Alzheimer’s Society da Grã-Bretanha, mostra que o que chamaram de Cognitive Training (CT), o treinamento cognitivo, pode contribuir para a prevenção da demência e para a manutenção das funções cognitivas em nós, coroas.

Como foi feita essa pesquisa?

Que resultados apresentou?

Primeiro, a pesquisa foi feita online, pela internet. Isso barateou enormemente o seu custo. Imagine como poderia baratear o custo do CT – para milhões de idosos brasileiros!

Seguiram um procedimento padrão: sortearam os participantes, adultos com mais de 50 anos, em três grupos: um foi treinado em Procedimentos Cognitivos Gerais; o segundo em Raciocínio e o terceiro pagou o pato: foi o grupo controle. Não foi treinado em nada. O treinamento durou seis meses e foi feito online.

Qual o objetivo principal? Contribuir para que idosos (mais de 60) tomem conta de suas atividades cotidianas, diárias. Continuem razoavelmente lúcidos e responsáveis por si mesmos.

Porém, os autores são pesquisadores e não perderiam essa oportunidade de avançar o conhecimento em outras áreas. A pesquisa tinha objetivos secundários: ver o efeito sobre o raciocínio, sobre a memoria verbal de curto prazo (essa aterroriza os coroas de verdade, >80 anos). Tem mais: recauchutar a memória funcional espacial, a aprendizagem verbal e a vigilância digital. O numero de coroas cobaias era grande: 2.912 com mais de sessenta. A garotada com mais de cinquenta até sessenta era ainda mais numerosa.

E os resultados?!!!? E os resultados?!!!?

Os pacotes de treinamento ajudam! O pacote geral e o com exercícios de raciocínio ajudaram os coroas de mais de sessenta a enfrentar os problemas do cotidiano. Os ganhos no raciocínio começaram mais cedo, em seis semanas; os outros demoraram mais tempo – seis meses.

Um grupo importante era os que já demonstravam algum declínio associado com a idade. São os gagás - como eu provavelmente já sou.

O que aconteceu com eles???

Aleluia! O Bom Deus não excluiu os gagás! Houve benefícios semelhantes aos obtidos pelos não gagás. Todos os grupos (menos o controle, claro) melhoraram.

Uma conclusão se impõe: o treinamento cognitivo online beneficia os coroas de diversas idades. Dentro de limites, mas beneficia. O maior benefício vem do treinamento no raciocínio.

Uma profecia (fácil!) também se impõe: treinamentos como esses e seus benefícios vão demorar a chegar ao Brasil e firmar raízes no país. Aqui tudo se faz através do estado, povoado em boa parte por analfabetos funcionais dedicados somente a aumentar o seu próprio patrimônio.

GLÁUCIO SOARES IESP/UERJ

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PRESERVANDO O NOSSO CÉREBRO

O cérebro parece um músculo: exercitando-o se desenvolve; deixando parado, se atrofia.

Infelizmente, não é bem assim. Se fosse, os mundos acadêmico e intelectual estariam recheados de atletas olímpicos, cognitivamente falando. Porém, somos todos suscetíveis à demência e ao mal de Alzheimer’s.

O que não quer dizer que exercitar o cérebro seja inútil.

Uma pesquisa, que foi financeiramente apoiada pela Alzheimer’s Society da Grã-Bretanha, mostra que o que chamaram de Cognitive Training (CT), o treinamento cognitivo, pode contribuir para a prevenção da demência e para a manutenção das funções cognitivas em nós, coroas.

Como foi feita essa pesquisa?

Que resultados apresentou?

Primeiro, a pesquisa foi feita online, pela internet. Isso barateou enormemente o seu custo. Imagine como poderia baratear o custo do CT – para milhões de idosos brasileiros!

Seguiram um procedimento padrão: sortearam os participantes, adultos com mais de 50 anos, em três grupos: um foi treinado em Procedimentos Cognitivos Gerais; o segundo em Raciocínio e o terceiro pagou o pato: foi o grupo controle. Não foi treinado em nada. O treinamento durou seis meses e foi feito online.

Qual o objetivo principal? Contribuir para que idosos (mais de 60) tomem conta de suas atividades cotidianas, diárias. Continuem razoavelmente lúcidos e responsáveis por si mesmos.

Porém, os autores são pesquisadores e não perderiam essa oportunidade de avançar o conhecimento em outras áreas. A pesquisa tinha objetivos secundários: ver o efeito sobre o raciocínio, sobre a memoria verbal de curto prazo (essa aterroriza os coroas de verdade, >80 anos). Tem mais: recauchutar a memória funcional espacial, a aprendizagem verbal e a vigilância digital. O numero de coroas cobaias era grande: 2.912 com mais de sessenta. A garotada com mais de cinquenta até sessenta era ainda mais numerosa.

E os resultados?!!!? E os resultados?!!!?

Os pacotes de treinamento ajudam! O pacote geral e o com exercícios de raciocínio ajudaram os coroas de mais de sessenta a enfrentar os problemas do cotidiano. Os ganhos no raciocínio começaram mais cedo, em seis semanas; os outros demoraram mais tempo – seis meses.

Um grupo importante era os que já demonstravam algum declínio associado com a idade. São os gagás - como eu provavelmente já sou.

O que aconteceu com eles???

Aleluia! O Bom Deus não excluiu os gagás! Houve benefícios semelhantes aos obtidos pelos não gagás. Todos os grupos (menos o controle, claro) melhoraram.

Uma conclusão se impõe: o treinamento cognitivo online beneficia os coroas de diversas idades. Dentro de limites, mas beneficia. O maior benefício vem do treinamento no raciocínio.

Uma profecia (fácil!) também se impõe: treinamentos como esses e seus benefícios vão demorar a chegar ao Brasil e firmar raízes no país. Aqui tudo se faz através do estado, povoado em boa parte por analfabetos funcionais dedicados somente a aumentar o seu próprio patrimônio.

GLÁUCIO SOARES IESP/UERJ

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Thursday, October 12, 2017

Nova geração de tratamentos hormonais?

A personalização do tratamento do câncer da próstata já está em curso. Personalização significa que a escolha do tratamento leva em consideração características do paciente, inclusive o estágio e o subtipo do câncer.

A Janssen Biotech, Inc., uma empresa farmacêutica, acaba de submeter um novo tratamento, baseado na apalutamida, que se aplicará somente a pacientes cujo câncer já não responde ao tratamento hormonal, mas ainda não apresentam metástases. É uma fatia importante do mercado.

Até o momento, a Food and Drug Administration (FDA), que é quem concede licença a novos medicamentos nos Estados Unidos, não concedeu nenhuma licença que se aplicasse a pacientes com essas características.

O que justifica esse pedido?

Os resultados de uma pesquisa clínica Fase III, chamada ARN-509-003 (SPARTAN) onde compararam os resultados do grupo experimental, que recebeu a apalutamida, com um grupo controle. A empresa considera que a apalutamida é a “nova geração” de tratamentos hormonais - além da abiraterona e da enzalutamida.

Que efeitos foram usados como critérios? O principal foi a ausência de metástases, mais exatamente o tempo que leva até o aparecimento da primeira metástase. A apalutamida promete uma “esticada” na duração desse estagio da doença, que é melhor (ou menos pior) que o seguinte, quando já há metástase. Dada a correlação entre o tempo até o aparecimento de metástases e o tempo até a morte, é provável que também signifique uma esticada na sobrevivência.

Converse com o seu urologista ou oncologista a respeito.

GLÁUCIO SOARES     IESP-UERJ

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Thursday, September 28, 2017

Alfred Stepan e a ditadura

Recebi a notícia do falecimento de Alfred Stepan, professor de “government” da Universidade de Columbia, em Nova Iorque, onde ocupava a cátedra Wallace Sayre. Stepan fundou em Columbia o Centro para o Estudo da Democracia, Tolerância e Religião. Stepan foi, também, um dos estudiosos do regime militar no Brasil. Escreveu Os Militares na Política.

Quase acidentalmente, Stepan também influenciou o que se podia e o que não se podia publicar durante a ditadura. Não se podia publicar nada sobre a desigualdade de renda, que cresceu muito nos anos posteriores ao golpe. Creio que foi o Hoffman que escreveu um artigo acadêmico sobre a desigualdade de renda no Brasil que não podia ser publicado, tal a severidade da censura que afligiu o Brasil durante a longa noite de 21 anos por que passamos.Circulou datilografado, quase como um pergaminho religioso. Em palestra, Stepan, já um renomado professor americano, mencionou a desigualdade de forma veemente e um resultado, bem-vindo e inesperado, foi que passamos a poder estudar e publicar a respeito de algo que estava acontecendo e que afetava muito a vida de dezenas de milhões de brasileiros. Não dava mais para esconder. Mas era proibido publicar. A censura era feroz e imprevisível.

Ironicamente, muitos pesquisadores sentíamos uma solidariedade com os colegas que foram oprimidos por Stalin e sucessores na União Soviética que também eram obrigados a datilografar copias de seus trabalhos e suas pesquisas, circulando-as privadamente entre os colegas para receber críticas e comentários, sempre com receio de que acabassem nas mãos de um espia do regime. Eram os suados samidatz.

Essa mesma censura ainda nos impede saber quanta corrupção havia no regime militar. Os escândalos eclodiam, mas eram rapidamente abafados. Hoje, diante da podridão dos últimos governos, muitas pessoas passaram, erroneamente, a romantizar o regime militar. Não viveram aquela opressão, alimentando-se de contos da carochinha. Os que eram jovens adultos quando a ditadura começou ou já morreram ou estão na Terceira Idade avançada.

Por incrível que pareça, a memoria daquele período de trevas em boa parte se perdeu.

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ

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Saturday, September 23, 2017

Aproximando o futuro

Você, ou um ser querido, enfrenta um câncer da próstata. O avanço do câncer preocupa, seja porque está avançando, seja porque pode recomeçar a avançar. Você olha com esperança para as pesquisas, os novos medicamentos que estão sendo testados, novas terapias ETC. Você sabe que a sobrevivência aumentou muito nos últimos dez anos, em parte devido a novos tratamentos.

Porém, você também sabe que muitas pesquisas acabam não produzindo novos medicamentos e que muitas das que alavancam tratamentos mais avançados demoram muito tempo até estarem disponíveis.

Pesquisadores consultados afirmaram que, na atualidade, a duração prevista das pesquisas é de 11,5 a 16,2 anos, calculando amostras de cerca de mil pacientes, com um tempo de recrutamento de cerca de cinco anos. São pesquisas que não beneficiarão muitos dos atuais pacientes, que morrerão antes e não somente de câncer. Nas idades avançadas da grande maioria dos pacientes, muitos morrem - a maioria de outras causas - em quinze anos.

Se você tem esse tipo de preocupação, você vai gostar da notícia abaixo.

Os pesquisadores de um grupo de trabalho chamado

ICECaP acompanharam pacientes durante dez anos – na mediana – e concluíram que há uma correlação muito alta entre a sobrevivência em geral (, chamada de OS, overall survival, incluindo todas as causas de morte) e o tempo que leva até a metástase, em pacientes com canceres localizados.

Em parte, isso é óbvio e esperado. É a metástase que mata. Quanto mais tempo até a metástase, maior a sobrevivência.... Porém, o tempo que leva do aparecimento da primeira metástase até a morte não é sempre o mesmo. Longe disso.

Exemplo: se a metástase for para uma víscera, particularmente para o fígado, a sobrevivência mediana é menor do que a metástase mais comum, que é para os ossos.

Talvez muitas dessas diferenças já estejam embutidas no tempo até o aparecimento da primeira metástase.

A relevância para o desenvolvimento de novos tratamentos e novos medicamentos é que não será obrigatório esperar até que muitos pacientes morram para apresentar conclusões preliminares das pesquisas e submeter esses possíveis tratamentos e medicamentos à apreciação dos órgãos reguladores, que devem aprovar o seu uso para que possam ser fabricados e vendidos.

Terão que esperar menos, em alguns casos, vários anos menos.

Qual o resultado animador? A correlação de Kendall entre a OS, sobrevivência geral, e o tempo livre de metástases (metastasis-free survival - MFS) é altíssima, 0,91. O chamado coeficiente de determinação, R2, é 0,83. A regressão foi entre a sobrevivência geral aos oito anos e a ausência de metástase aos cinco anos.

Confirmada essa associação para vários tipos de pacientes, os medicamentos chegarão às prateleiras três anos antes! É imaginável que esse ganho seja aumentado se essa associação se revelar tão íntima entre medidas com um intervalo maior entre elas.

Tratamos de estender vidas humanas. Se os medicamentos mais recentes estivessem disponíveis três anos mais cedo, dezenas de milhões de anos de vida poderiam ter sido salvos em todo o planeta.

Vale a pena ler mais:

Xie W, Regan MM, Buyse M, et al. Metastasis-free survival is a strong surrogate of overall survival in localized prostate cancer [published online August 10, 2017]. J Clin Oncol. doi:10.1200/JCO.2017.73.9987.

GLÁUCIO SOARES IESP-UERJ

Sunday, March 18, 2007



Friedman AS, Glassman K, Terras BA. Belmont Center for Comprehensive Treatment, Filadélfia, PA USA. "Violent behavior as related to use of marijuana and other drugs" J Addict Dis. 2001;20(1):49-72. Essa pesquisa analisou 612 adultos negros americanos. Havia dados desde o nascimento que permitiram estudar dez tipos de drogas e oito tipos de crimes violentos. Os autores dispuzeram de 51 variáveis para serem usadas como controles. Surpreendentemente, a freqüência do uso de maconha estava associada com a maior probabilidade de cometer crimes usando armas. A única outra droga com associação semelhante é o álcool. O uso da maconha também se associava com as tentativas de homicídio e com colocar outras pessoas em situação de perigo. O consumo de cocaína, crack e maconha estava associado ao tráfico.

Saturday, March 17, 2007



Os exames de câncer de próstata são probabilísticos: somente quando uma biópsia nos dá um resultado positivo (leia-se, com câncer) é que há certeza, ainda assim com aquela pequena margem de dúvida derivada de erros de laboratório. Por isso, os exames são repetidos. Aliás, quando fui operado notei que retiravam meu sangue logo antes da operação. Eu acreditava que faziam isso desde antes, acumulando o sangue durante algumas semanas, mas me informaram que era mais seguro fazê-lo no próprio ambiente de cirurgia, porque eliminava "clerical errors", erros de secretária - colocar o rótulo de um paciente no sangue de outro. A existência de estatísticas adequadas permitia essa conclusão.
Porém, um exame de PSA alto e/ou um toque retal suspeito representam uma probabilidade mais elevada de que exista câncer e o procedimento seguinte é a biópsia, que também é probabilística. Eu "fiz" dez agulhas sem que o câncer aparecesse, mas estava lá. Esses procedimentos geram muita angústia.
O Dr. David A. Katz do VA Iowa City Health Care System acompanharam 109 homens que tiveram testes com resultados suspeitos, mas com biópsias negativas, comparando-os com 101 homens com testes normais. Aplicaram uma escala de preocupação com câncer de prostata que varia de zero a cinco. Os homens com testes suspeitos tiveram um escore médio de 4,5 e os controles 3,9. Esses resultados foram publicados em Urology 2007;69:215-220.
Essa pesquisa, e muitas outras, nos dizem que temos que desenvolver testes mais exatos e mais rápidos: até lá, temos que acelerar os resultados sem comprometer a qualidade porque o preço que está sendo pago pelo paciente que espera é alto.

Saturday, February 18, 2006

Análise de conteúdo

Tati:

que coincidência!!! Eu ando interessado em fazer uma análise do conteúdo das leituras dos cursos de pós-graduação (talvez da graduação também) em sociologia e ciência política, além de outra de material escrito (cartas, e-mails etc) vis-à-vis o referendo... Não sei a quantas andas, mas há um programa leve, grátis, TextStat, que fará a contagem das palavras, que podes codificar etc, e faz a concordância também. Continuemos trocando fichinhas. A Marielle, que está nessa lista, deverá participar desse projeto. Aliás, não sei se há outras pessoas interessadas em conversar e ler um pouco sobre análise de conteúdo. Se houver, é bom sinalizar.

Gláucio