STATCOUNTER

Um espaço para que pesquisadores nas Ciências Humanas discutam suas idéias, seus projetos, suas análises.

Sunday, February 12, 2006

Quem quizer comentar....

Pretendo publicar alguns outros nessa linha. Por isso, solicito críticas. Não é leitura obrigatória, nada disso.


Movidos a ódio
Gláucio Ary Dillon Soares



[01/FEV/2006]


Em 26 de junho de 1992, um desempregado chamado Raymond Ratima matou sete membros de sua família em Masterton na Nova Zelândia; um mês antes, o fazendeiro Brian Schlaepfer, de 64 anos, trucidou seis membros da sua família antes de se suicidar, perto de Auckland. Foram exterminadas três gerações da família. Em 1996, Martin Bryant, um australiano de 28 anos com longa história de problemas psicológicos, queria matar turistas. Com um rifle, entrou num restaurante, caminhou calmamente até perto de cada vítima e atirou. Levou e queimou três reféns. Matou 35. Do outro lado do mundo, em Dunblane, na Escócia, no mesmo ano, Thomas Hamilton entrou numa escola primária com duas pistolas, dois revólveres e 743 cartuchos. Fez 105 disparos durante quatro minutos, matando 16 crianças de 4 a 6 anos de idade e um adulto. Se suicidou depois. Em 2002, em Erfurt, na Alemanha, Robert Steinhaeuser, de 19 anos foi expulso da escola à qual voltou, vestido de ninja, com uma Glock de 9 mm, matando 13 professores, dois estudantes e uma policial, se suicidando depois. Havia feito ameaças de morte. Em São Paulo, em 1999, o estudante Matheus da Costa Meira matou três pessoas a tiros num cinema em um shopping.

Há muitas centenas de um tipo especial de assassinos múltiplos, chamados de rampage killers, difíceis de entender, diferentes dos demais assassinos. O número pode ser muito maior. Foram estudados, principalmente, nos Estados Unidos, mas ocorreram em muitos países. A evolução da tecnologia da morte significa que o mesmo assassino que antes matava duas ou tres pessoas hoje pode matar vinte, como argumenta Tom Diaz em Making a killing: the business of guns in America. A letalidade de facas ou espadas é muito menor do que a de armas semi-automáticas: exige proximidade física, dá possibilidade de defesa e de fuga. Alguns rampage killers se encastelaram em pontos privilegiados, como torres de observação, e escolheram em quem atirar.

Os rampage killers diferem dos demais homicidas. Poucos tentam fugir. Um terço se suicida na hora; outros 9% se suicidam depois. A idade faz diferença: poucos jovens se suicidam, muitos dos adultos o fazem. No total, metade morre logo após o crime, por suicídio no local ou alvejado por terceiros, usualmente a polícia.

Essas mortes são imprevisíveis e inevitáveis? Não. Muitos dão sinais que não são reconhecidos; alguns avisam o que pretendem fazer. Não são levados a sério.

Os lugares variam, mas freqüentemente são ambientes onde se reúnem várias pessoas, usualmente públicos, conhecidos dos assassinos. Os estudantes preferem os próprios colegas e professores nas escolas, mas às vezes matam também outras pessoas, inclusive membros da sua família. Talvez a mais tristemente conhecida seja a Columbine High School, onde dois adolescentes mataram treze e feriram 23. Pessoas que foram despedidas ou preteridas em aumentos e promoções matam em seus ambientes de trabalho. Os rampage killers não respeitam ninguém: em Dunblane eram crianças pequenas; um fascista atacou uma creche em Los Angeles. Em Fort Worth, Texas, sete pessoas foram mortas no fim dos cânticos numa igreja. As vítimas do ódio são muitas e diversas.

Matam a esmo dentro de um ambiente escolhido e, dependendo do poder de fogo e da rapidez do atendimento da polícia, podem matar muitas pessoas.

O que causa isso?

Muitos pensam que esse comportamento é estimulado pela violência na TV, no cinema e nos jogos. O New York Times examinou uma centena de casos, dos quais apenas seis tinham claro interesse em vídeo games violentos e outros sete em filmes violentos: não sabemos se são mais ou menos do que a população. Seria uma explicação parcial, pois deixa de fora oitenta e sete assassinos. Porém, também sabemos que a mídia tem um papel importante na divulgação de exemplos: 14% dos assassinos conheciam massacres anteriores. Os rampage killers tiram idéias de algum lado. Essas idéias podem vir de episódios semelhantes, específicos, e não apenas da violência mais genérica na TV, cinema ou jogos.

A pesquisa do Times mostra que familiares, professoras e até profissionais da saúde mental não viram os sinais ou não os consideraram relevantes. As ameaças devem ser levadas em sério: 63% tinham feito ameaças e 54% tinham feito ameaças específicas a membros do grupo que atacaram. James Calvin Brady disse a seus psiquiatras que queria matar gente; eventualmente foi a um shopping em Atlanta e matou muitos. Os problemas mentais se destacam: mais da metade tinham um histórico psiquiátrico sério. Um quarto dos rampage killers deveria tomar remédios psiquiátricos, mas 58% tinham parado de tomar seus medicamentos antes dos crimes - ponto importante, porque vários tipos de doentes mentais, se medicados e tratados, não são nem mais nem menos agressivos do que a população, mas se transformam quando param de tomar os medicamentos. Lothar Adler, estudioso dos assassinos múltiplos, enfatiza as explicações psiquiátricas e a prevenção: em dois casos, soldados alemães que dirigiam tanques saíram catando gente para atropelar. Foram tomadas precauções e, em um quarto de século, não houve repetições.

Esses atos não resultam de um impulso: podem ter um longo período de amadurecimento, mas geralmente são planejados. Há eventos precipitadores: a perda do emprego, que pode ser catastrófica, estava presente em 47% dos casos; os problemas de relacionamento como divórcio ou fim de namoro, estavam presentes em 22%.

Uma percentagem mais alta dos rampage killers esteve nas Forças Armadas ou na polícia, em comparação com os homicidas ''comuns''. Tampouco são predominantemente membros de minorias étnicas, são mais velhos e tiveram mais educação formal. Proporcionalmente, há mais homens do que nos homicídios comuns, embora haja mulheres rampage killers.

Os pesquisadores do Times acreditam que a característica que mais diferencia os rampage killers dos demais assassinos é que eles não tentam nem querem fugir. Dos cem americanos estudados, nenhum escapou: ou morreram ou foram presos.

Comum a todos: são movidos a ódio

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