STATCOUNTER

Um espaço para que pesquisadores nas Ciências Humanas discutam suas idéias, seus projetos, suas análises.

Wednesday, August 15, 2018

O MEDO E A MORTE


Este mês completei 23 anos desde que fui diagnosticado com câncer. Infelizmente, o câncer não foi curado, a despeito de diferentes tratamentos.

Como pesquisador, minhas reações começaram com o meu desconhecimento. Eu não sabia nada a respeito de câncer. Tratei, primeiro,de ler órgãos de divulgação, comunicações entre pacientes e assim  por diante. Eram trocas de experiências, de lamúrias, de sugestões, várias de curas milagrosas, remédios  “que a indústria farmacêutica não quer que você conheça “ - abertura comum de quem quer anunciar sua própria cura milagrosa (e rentável). Havia de tudo.

Porém, uma revista, PSA Rising, foi particularmente útil. Depois, descobri publicações mais sérias, embora acessíveis somente para quem quisesse estudar um pouco. Primeiro, as edições diárias de Google Prostate Alert, juntamente com as edições diárias e a semanais de Uro Today, e mais alguns artigos especializados após essas leituras. Quando havia coisa nova, corri atrás. Facilita ter um filho biólogo. E eu buscava no PubMed.

A maioria dos comentários, como era de esperar, caia em algumas categorias. As que mais me impressionavam eram os pedidos de informação que revelavam quão pouco os pacientes e parentes  sabiam sobre suas doenças e, em função disso, quão pouco controle tinham sobre a vida dos pacientes  - muito menor do que a doença permitia. Deixavam de fazer muitas coisas que podiam fazer.Pior: os que mais e melhor buscavam informações não eram os pacientes, mas suas esposas, irmãs, filhos, companheiras. Muitos pacientes propriamente ditos se fechavam num quarto escuro esperando morrer. A coragem das mulheres para enfrentar um câncer da mama e outros cânceres femininos é incomparavelmente maior. Um dos efeitos mais acachapantes sobre os pacientes de cânceres masculinos vem do próprio machismo. O mesmo machismo que causa dor em tantos casamentos causa mais pavor e desespero em muitos homens vítimas de cânceres da próstata do que o próprio câncer.

Essas foram poderosas razões para que eu começasse a escrever dois blogues, um no Blogger e outro no WordPress. Minha esperança era atingir umas cem  pessoas e ajudar umas poucas. Afinal, mesmo para que tem só um pouco de fé, minorar o sofrimento de uma alma é um objetivo louvável em si próprio. Nunca pensei que meu blog Câncer de Próstata; Notícias e Pacientes teria 883 mil acessos e o meu outro blog, Câncer da Próstata Sem Medo tivesse 915.000 leitores.

E o câncer? O  “meu“ câncer?

Está por aí. Ou melhor dizendo, por aqui. Os marcadores bioquímicos mostram que ele não foi curado.

Às vezes, também eu sinto medo, porque se a metástase for para os ossos, a dor é muito grande.

Mas até aí, nesse medo menor, Deus me deu mais uma lição. Eu estava em casa, sozinho, trabalhando na minha escrivaninha quando apaguei. Apaguei total, não me lembro de nada. Minha mulher me encontrou desfalecido, boca torta e tudo. Minha lembrança veio com o incômodo de sentir pessoas tentando me comprimir dentro do assento de um taxi cujo volume me parecia inferior ao meu. 

Tive um ataque transitório isquêmico. Um AVC menos sério, algo assim.

E foi uma palmada, mesmo, que Deus me deu. Palmadinha. Afinal, estou aqui escrevendo para vocês.

Com carinho.

GLÁUCIO SOARES

IESP-UERJ

23 ANOS COM CÂNCER, CÂNCER E AVC, metástase do câncer da próstata,S0BREVIVÊNCIA,câncer e derrame

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