STATCOUNTER

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Monday, May 20, 2019

Fazer o bem faz bem

Algumas conversas entre velhinhos e, sobretudo, velhinhas são muito interessantes. Parecem competições verbais sobre quem se sacrifica mais por seus netinhos e suas netinhas. Há, claro, críticas, algumas vitriólicas, sobretudo as dirigidas a noras e genros.
Avôs e avós podem contribuir muito e, exageros à parte, não poucos o fazem.
Porém, essas atividades também podem beneficiar os que dão seu tempo, esforço e dinheiro. Beneficiam, também, os que dão e nã, apenas, os que recebem. Burn e Szoeke demonstram que o conjunto de atividades típicas de vovós e vovôs beneficiam cognitivamente outras pessoas, além dos netinhos e das netinhas e de suas mães e pais.

[ Katherine Burn e Cassandra Szoeke, Is grandparenting a form of social engagement that benefits cognition in ageing? Maturitas, Volume 80, Issue 2, February 2015, pags 122-125.
https://doi.org/10.1016/j.maturitas.2014.10.017]

Quem???
...as vovós e os vovôs!
Ajudar na criação, na proteção e na educação dos netinhos e das netinhas pode beneficiar os dedicados vovôs e vovós. Essas atividades podem estimular mecanismos cognitivos que elevam o nível cognitivo dos idosos. Na média, o declínio cognitivo dos vovôs e vovós que participam da vida dos netinhos é mais lento do que o dos demais idosos.
Porém, esse benefício tem limites. Os vovôs e as vovós que exercem essas atividades num nível muito, muito intenso, que não leva em consideração o declínio natural da capacidade física e psicológica que acompanha a idade, sofrem as consequências do exagero.
Ou seja, muito é bom; demais é demais...
Além disso, a dinâmica do exagero é diferente da das tarefas executadas dentro de limites saudáveis. Inclui serviços prestados a outros, particularmente a filhos e filhas negligentes, mas também a pessoas contratadas que executam mal os serviços para os quais foram contratadas. Esse exagero acelera o declínio cognitivo dos prestativos vovôs e vovós.
Mesmo em países nos quais o setor público funciona, há poucos serviços à disposição dos velhinhos que exercem funções secundárias ou suplementares. Velhinhos e velhinhas só têm acesso a esses serviços quando eles são os cuidadores primários das crianças, como nos casos de morte e abandono de pais e mães.
É possível que os benefícios de ajudar na criação e educação de netinhos e netinhos ajude os velhinhos e velhinhas a viver mais. É o que diz Dr. Sonja Hilbrand, da Universidade de Basel, na Suiça. Ela e sua equipe analisaram dados do Berlin Aging Study.
Essa pesquisa analisou perto de quinhentas pessoas que foram entrevistadas entre 1990 e 1993 e foram acompanhadas até 2009.

[ Sonja Hilbrand, David A. Coall, Denis Gerstorf e Ralph Hertwig, Caregiving within and beyond the family is associated with lower mortality for the caregiver: A prospective study. Evolution and Human Behavior, Volume 38, Issue 3, May 2017, pags 397–403.]

Dividiram esses idosos em três grupos: os que tiveram filhos e/ou filhas e netos e/ou netas; os que tiveram filhos e/ou filhas, mas não tiveram netos ou netas e os que não tiveram filhos nem filhas (e, portanto, não tiveram netos nem netas).
A pergunta central dessa análise era:
Na média, quanto tempo viveram os membros de cada um desses três grupos? Avaliaram a sobrevivência a partir da primeira entrevista, até a data da morte.
A dra. Hilbrand sabia que há vários estudos mostrando que fazer o bem...faz bem. Tratar dos outros, ajudar o próximo, faz bem para a saúde.
Mas... será que afasta a morte?
Os resultados sugerem que sim. Metade dos vovôs e vovós que ajudaram na criação dos netinhos e netinhas estava vivinha da Silva dez anos depois da primeira entrevista.
O grupo mais parecido com esse, os que eram avôs e avós, mas não participavam da educação e criação dos netinhos e netinhas, viveu menos: a metade morreu antes de cinco anos.
E os que não tiveram filhos ou filhas? Foram divididos em dois grupos: os que ajudaram amigos ou vizinhos, seja emocionalmente, seja praticamente, e os que não ajudaram ninguém. Também nesses grupos, sem familiares para ajudar, fazer o bem fez bem. A mediana de sobrevivência dos que ajudavam alguém foi de sete anos, ao passo que no caso dos que não ajudaram ninguém foi de apenas quatro anos.
Claro está que há problemas metodológicos que comprometem os resultados. O número de casos é limitado. A possibilidade de endogenia é clara: pessoas com problemas de saúde, doenças cronicas, recursos físicos e financeiros escassos, têm capacidade de ajudar menor e risco de morte maior. Sem um rigoroso controle dessas condições na primeira entrevista, não sabemos se elas já estavam presentes na primeira entrevista.
Não obstante, até que apareçam dados em contrário, continuo afirmando que fazer o bem faz bem e que amar também faz bem.

GLÁUCIO SOARES

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