STATCOUNTER

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Tuesday, May 21, 2019

O dano causado por um modelo que soma zero

Estamos vendo o que significa um modelo que soma zero. Em várias administrações, em países diferentes, quando medidas que reduziram recursos, cargos etc. foram implementadas, as reações foram semelhantes às que estamos vendo. Os que estavam ameaçados de perder algo – recursos orçamentários, prestígio, status de ministério ou de secretaria especial etc. – protestaram e continuaram protestando. O modelo que soma zero surgiu quando foi tomada a decisão de reduzir o número de ministérios e enfrentar o rombo fiscal. Os protestos já surgiram em muitas áreas, como, por exemplo, a relacionada à cultura, ou no caso, também em andamento, da mudança da Secretaria de Direitos Humanos que possivelmente seria transferida para o Ministério da Justiça. Em um debate interno, que estou acompanhando, surgiu a pergunta necessária sobre o funcionamento de um órgão do governo. No debate, que é essencialmente político, estão sendo debatidos os ganhos e as perdas num discurso em que o órgão é tratado em forma abstrata. É um debate político sobre alocação de recursos, poder e prestígio. Nesse debate, que sempre surge quando há cortes de algum tipo, inclusive aqueles que tem a ver com símbolos de poder, há contraste entre a realidade, o órgão como ele é, e a versão publicitária, divulgada, pública, aperfeiçoada, idealizada, que não existe. A realidade desaparece. A versão idealizada é afirmada e reafirmada, soberana. Quando foi colocado o tema da funcionalidade, de onde o órgão funcionaria melhor, voltou ao palco o órgão como ele é. Em todos os casos, é patente o que está em jogo para os grupos de pressão: não é um projeto para o país, certamente não é um projeto social, é a política simples de defesa dos interesses próprios através da pressão política.

Às vezes a disparidade entre o projeto anunciado (e desejado) e o processo que realmente acontece, é surpreendente. O exemplo mais ameaçador é a escolha de André Moura para líder do governo na Câmara dos Deputados. Para mim, mostra, apenas, que quem domina a Câmara é o baixo clero e não o governo. Se assim for, talvez o homem mais influente naquele recinto continue a ser Eduardo Cunha. Um horror.

Qual o problema desses procedimentos, inclusive dos legítimos protestos numa situação de evidente falta de recursos para satisfazer a todos? O principal problema é que o somatório dos êxitos de grupos específicos não significa o maior benefício para a maioria dos excluídos. Significa, apenas, que os grupos mais poderosos, mais influentes e melhor organizados, por exemplo, os sindicalizados, juízes, promotores, deputados e senadores, os que trabalham para o estado, entre muitos outros, terão suas necessidades atendidas primeiro, antes de que a maioria dos que necessitam de atendimento básico, particularmente nas áreas da saúde, da educação e da segurança pública, seja atendida. Dada a magnitude do rombo fiscal, não há como ser otimista e os recursos necessários para os despossuídos virão por último. Último pode significar muito tempo.

Na política que responde, apenas, aos grupos de pressão organizados, os mais pobres e excluídos do poder, sem influência, serão os mais prejudicados, os últimos que serão atendidos.

É a política do cotidiano, do quem pode, pode, quem não pode sofre.


Gláucio Soares

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